Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

segunda-feira, 9 de março de 2015

Sonetos de Padre Antônio Tomaz

Padre Antônio Tomás (Acaraú, Ceará, 14 de setembro de 1868 — Fortaleza, 16 de julho de 1941) foi o primeiro Príncipe dos Poetas Cearenses.

Nasceu na cidade de Acaraú, Ceará, a 14 de setembro de 1868. Filho do professor Gil Tomás Lourenço e dona Francisca Laurinda da Frota. Cursou latim e francês em Sobral, e concluiu seus estudos no Seminário de Fortaleza , onde foi ordenado sacerdote, em 1891. Esteve longos anos a serviço da Igreja, em paróquias do interior cearense, notadamente como vigário de sua terra natal, levando vida modesta e apagada, dedicado a sua missão, escrevendo versos e cuidando de sua paróquia. Exerceu o paroquiato durante trinta anos, tendo sido vigário de Trairi e de Acaraú, de 1892 a 1924, quando por motivo de saúde, deixou o exercício do múnus paroquial, a que dedicara todas as reservas da sua atividade apostólica. Iniciou-se na publicação de seus sonetos, no ano de 1901, quando o Almanaque do Ceará, daquele ano, publicou o soneto Post-Laborem. Escreveu dezenas de sonetos que eram levados à imprensa pelos amigos, já que na sua humildade e timidez procurava fugir à publicidade. Recebeu, entretanto, ainda em vida, consagração popular, sendo eleito, Príncipe dos Poetas Cearenses, num pleito realizado pela revista Ceará Ilustrado, em 1925. Está classificado entre os maiores sonetistas brasileiros, gênero a que mais se dedicou, escrevendo também composições de feição e ritmos variados, caracterizando-se por sua independência em relação a qualquer movimento ou escola literária. Foi membro da Academia Cearense de Letras e, em 1919, eleito sócio do Instituto do Ceará. Faleceu em Fortaleza, a 16 de julho de 1941, sendo sepultado no dia seguinte, na Igreja Matriz da Cidade de Santana do Acaraú, Ceará .

Reconhecidamente um dos maiores sonetistas de seu tempo, empresta seu nome a uma importante avenida na capital do Ceará. Parte de sua obra foi reunida em livro: RAMOS, Dinorá Tomaz. Padre Antônio Tomas - Príncipe dos Poetas Cearenses. Fortaleza: Paulina Editora, 1950.

A morte do jangadeiro

Ao sopro do terral abrindo a vela, 
Na esteira azul das águas arrastada,   
Segue veloz a intrépida jangada   
Entre os uivos do mar que se encapela.

Prudente, o jangadeiro se acautela   
Contra os mil acidentes da jornada;   
Fazem-lhe, entanto, guerra encarniçada   
O vento, a chuva, os raios, a procela. 
  
Súbito, um raio o prostra e, furioso,   
Da jangada o despeja na água escura;   
E, em brancos véus de espuma, o desditoso
  
Envolve e traga a onda intumescida,   
Dando-lhe, assim, mortalha e sepultura   
O mesmo mar que o pão lhe dera em vida.

Contraste

Quando partimos no verdor dos anos,   
Da vida pela estrada florescente,   
As esperanças vão conosco à frente,   
E vão ficando atrás os desenganos. 
  
Rindo e cantando, célebres, ufanos,   
Vamos marchando descuidosamente;   
Eis que chega a velhice, de repente,   
Desfazendo ilusões, matando enganos. 
  
Então, nós enxergamos claramente   
Como a existência é rápida e falaz,   
E vemos que sucede, exatamente, 
  
O contrário dos tempos de rapaz:   
- Os desenganos vão conosco à frente,   
E as esperanças vão ficando atrás.

O palhaço

Ontem, viu-se-lhe em casa a esposa morta   
E a filhinha mais nova, tão doente!   
Hoje, o empresário vai bater-lhe à porta,   
Que a plateia o reclama, impaciente.  
  
Ao palco, em breve surge... Pouco importa   
O seu pesar àquela estranha gente...   
E ao som das ovações que os ares corta, Trejeita, canta e ri, nervosamente  
  
Aos aplausos da turba, ele trabalha   
Para encontrar no manto em que se embuça A cruciante angústia que o retalha.   
  
No entanto, a dor cruel mais se lhe aguça   
E enquanto o lábio trêmulo gargalha,   
Dentro do peito o coração soluça. 

Desenganos

Muitas vezes sonhei nos tempos idos   
Acalentando sonhos de ventura,   
Então a voz da lira suave e pura   
Era-me um gozo d'alma e dos sentidos.  
  
Hoje, vejo meus sonhos convertidos   
Num acervo de dores e de amargura   
E percorro da vida a estrada escura  
Recalcando no peito os meus gemidos
  
E se tento cantar como remédio   
Minhas mágoas ao sombrio tédio   
Que lentamente as forças me quebranta   
  
Os sons que ira que arranco agora   
Mais parecem soluços de quem chora   
Do que a doce toada de quem canta.

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