A morte de JK: o acidente e a farsa - GIL CASTELLO BRANCO
O GLOBO - 17/12
Não se consegue encontrar um argumento sólido, balizado, lógico e técnico que possa apoiar a tese de assassinato
Desde o século XVIII, cerca de 90 líderes políticos foram assassinados em todo o mundo. Entre as vítimas mais famosas estão, por exemplo, Maria Antonieta, Indira Gandhi e Abraham Lincoln. Mas o crime de maior repercussão foi o assassinato do presidente americano John F. Kennedy. Em Dallas, cidade onde Kennedy foi morto, existe um prédio de seis andares com fotos, vídeos e teorias sobre as circunstâncias da morte. Após percorrer todas as dependências, o visitante sai com mais dúvidas sobre o verdadeiro autor dos disparos do que quando entrou no museu.
No Brasil, também há inúmeros questionamentos sobre a morte de políticos e presidentes. Vira e mexe, são discutidos fatos relacionados às mortes de Jango, Castello Branco, Lacerda, Costa e Silva, Tancredo e Juscelino Kubitschek. Na maioria das vezes, as “teorias conspiratórias” apenas criam uma versão mais gloriosa para mortes naturais.
Na semana passada, a Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo divulgou documento no qual “declara o assassinato de Juscelino Kubitscheck de Oliveira, vítima de conspiração, complô e atentado político na Rodovia Presidente Dutra, em 22 de agosto de 1976...”
Curiosamente, a conclusão dos vereadores é literalmente contrária àquela da Comissão Externa constituída em 2001, na Câmara dos Deputados, requerida pelo ex-deputado Paulo Octávio, casado, justamente, com a neta de JK. Após ouvir inúmeros depoimentos, viajar ao Chile atrás de eventuais conexões com a Operação Condor e reconstituir a última viagem de JK, a comissão foi taxativa: “Por mais que se exercite a imaginação e a criatividade, não se consegue encontrar um argumento sólido, balizado, lógico e técnico que possa apoiar a tese de assassinato... Os menores detalhes não passaram despercebidos. Investigamos todas as dúvidas, todas as suspeitas. À medida que as questões foram sendo esclarecidas e respondidas, a conclusão foi-se impondo inexoravelmente. Ao final destes trabalhos, não restam mais dúvidas de que a morte de Juscelino Kubitscheck foi causada por um acidente automobilístico, sem qualquer resquício da consumação de um assassinato encomendado.”
Assim sendo, o que teria acontecido nas apurações de ambas as comissões para conclusões diametralmente opostas? Na realidade, o erro dos vereadores paulistas — por ignorância ou má-fé — foi desprezar diversos depoimentos técnicos, como os dos peritos oficiais, do legista responsável pela exumação do cadáver do motorista de JK 20 anos depois do acidente e do relator da Comissão que investigou o tema há 12 anos.
Ao contrário, de forma irresponsável, o relatório da Comissão de vereadores sequer menciona a investigação anterior. Afinal, por quais motivos não chamaram para depor o marido da neta de JK, o ex-deputado Paulo Octávio, que presidiu a Comissão e está absolutamente convicto de que foi um acidente? Por que não convidaram a senhora Maria de Lourdes Ribeiro, filha do motorista de JK, que, como advogada, considera primária a tese do tiro e do assassinato? Por que não colheram esclarecimentos do professor da UFMG e médico legista Márcio Cardoso, responsável pela exumação do corpo do motorista, que após examinar o objeto metálico encontrado — “com visão macroscópica e mesoscópica, por meio de lupa estereoscópica” — provou, categoricamente, tratar-se de um cravo usado para a fixação do forro da urna funerária? Por quais motivos não ouviram os dois peritos convidados para assessorar a Comissão Externa da Câmara, João Bosco de Oliveira e Ventura Raphael Martello Filho, totalmente desvinculados do processo inicial, que, auxiliados por três outros peritos, confirmaram integralmente, 24 anos depois, a perícia original?
Limitando-se a ouvir surradas e infundadas ilações dos mesmos denunciantes e sem qualquer laudo ou estudo que possa comprovar o mirabolante assassinato, a comissão de vereadores perdeu o rumo. Como filho do já falecido perito e promotor de Justiça Francisco Gil Castello Branco, que à época do acidente era o diretor do Departamento Técnico e Científico da Polícia do Estado do Rio de Janeiro e conduziu com extrema competência as investigações — fato reconhecido pela própria senhora Sara Kubitschek ao entregar-lhe uma carta de agradecimento —, presto-lhe com este texto uma homenagem póstuma.
A Comissão Nacional da Verdade, criada com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período de 1946 a 1988, precisa resgatar a memória nacional, mas sem assassinar a verdade histórica.
Não se consegue encontrar um argumento sólido, balizado, lógico e técnico que possa apoiar a tese de assassinato
Desde o século XVIII, cerca de 90 líderes políticos foram assassinados em todo o mundo. Entre as vítimas mais famosas estão, por exemplo, Maria Antonieta, Indira Gandhi e Abraham Lincoln. Mas o crime de maior repercussão foi o assassinato do presidente americano John F. Kennedy. Em Dallas, cidade onde Kennedy foi morto, existe um prédio de seis andares com fotos, vídeos e teorias sobre as circunstâncias da morte. Após percorrer todas as dependências, o visitante sai com mais dúvidas sobre o verdadeiro autor dos disparos do que quando entrou no museu.
No Brasil, também há inúmeros questionamentos sobre a morte de políticos e presidentes. Vira e mexe, são discutidos fatos relacionados às mortes de Jango, Castello Branco, Lacerda, Costa e Silva, Tancredo e Juscelino Kubitschek. Na maioria das vezes, as “teorias conspiratórias” apenas criam uma versão mais gloriosa para mortes naturais.
Na semana passada, a Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo divulgou documento no qual “declara o assassinato de Juscelino Kubitscheck de Oliveira, vítima de conspiração, complô e atentado político na Rodovia Presidente Dutra, em 22 de agosto de 1976...”
Curiosamente, a conclusão dos vereadores é literalmente contrária àquela da Comissão Externa constituída em 2001, na Câmara dos Deputados, requerida pelo ex-deputado Paulo Octávio, casado, justamente, com a neta de JK. Após ouvir inúmeros depoimentos, viajar ao Chile atrás de eventuais conexões com a Operação Condor e reconstituir a última viagem de JK, a comissão foi taxativa: “Por mais que se exercite a imaginação e a criatividade, não se consegue encontrar um argumento sólido, balizado, lógico e técnico que possa apoiar a tese de assassinato... Os menores detalhes não passaram despercebidos. Investigamos todas as dúvidas, todas as suspeitas. À medida que as questões foram sendo esclarecidas e respondidas, a conclusão foi-se impondo inexoravelmente. Ao final destes trabalhos, não restam mais dúvidas de que a morte de Juscelino Kubitscheck foi causada por um acidente automobilístico, sem qualquer resquício da consumação de um assassinato encomendado.”
Assim sendo, o que teria acontecido nas apurações de ambas as comissões para conclusões diametralmente opostas? Na realidade, o erro dos vereadores paulistas — por ignorância ou má-fé — foi desprezar diversos depoimentos técnicos, como os dos peritos oficiais, do legista responsável pela exumação do cadáver do motorista de JK 20 anos depois do acidente e do relator da Comissão que investigou o tema há 12 anos.
Ao contrário, de forma irresponsável, o relatório da Comissão de vereadores sequer menciona a investigação anterior. Afinal, por quais motivos não chamaram para depor o marido da neta de JK, o ex-deputado Paulo Octávio, que presidiu a Comissão e está absolutamente convicto de que foi um acidente? Por que não convidaram a senhora Maria de Lourdes Ribeiro, filha do motorista de JK, que, como advogada, considera primária a tese do tiro e do assassinato? Por que não colheram esclarecimentos do professor da UFMG e médico legista Márcio Cardoso, responsável pela exumação do corpo do motorista, que após examinar o objeto metálico encontrado — “com visão macroscópica e mesoscópica, por meio de lupa estereoscópica” — provou, categoricamente, tratar-se de um cravo usado para a fixação do forro da urna funerária? Por quais motivos não ouviram os dois peritos convidados para assessorar a Comissão Externa da Câmara, João Bosco de Oliveira e Ventura Raphael Martello Filho, totalmente desvinculados do processo inicial, que, auxiliados por três outros peritos, confirmaram integralmente, 24 anos depois, a perícia original?
Limitando-se a ouvir surradas e infundadas ilações dos mesmos denunciantes e sem qualquer laudo ou estudo que possa comprovar o mirabolante assassinato, a comissão de vereadores perdeu o rumo. Como filho do já falecido perito e promotor de Justiça Francisco Gil Castello Branco, que à época do acidente era o diretor do Departamento Técnico e Científico da Polícia do Estado do Rio de Janeiro e conduziu com extrema competência as investigações — fato reconhecido pela própria senhora Sara Kubitschek ao entregar-lhe uma carta de agradecimento —, presto-lhe com este texto uma homenagem póstuma.
A Comissão Nacional da Verdade, criada com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período de 1946 a 1988, precisa resgatar a memória nacional, mas sem assassinar a verdade histórica.
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