Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

segunda-feira, 18 de março de 2013

FRANCISCO CARVALHO


FRANCISCO CARVALHO
Durval Aires Filho

Luciano Maia solta a notícia: "Francisco Carvalho já não está entre nós". De repente, sou tomado por um fluxo em minha mente. Acho que o poeta sempre esteve muito próximo. Quando Martins Filho fundou a Universidade Federal do Ceará, no ano em que nasci, pensou mais tarde em sua assessoria. Dentre vários nomes escolhidos, passado a frente a fase de implantação, chamou mais três: Durval Aires, F.S. Nascimento e Francisco Carvalho. Autodidatas e profissionais deveras experimentados, Durval foi o homem de comunicação (meu pai cunhou o símbolo "universal pelo regional"); Nascimento cuidou da editoria e Carvalho foi o Secretário do Conselho Universitário, aquele que, em texto,  reproduzia com fidelidade, as reuniões, os colóquios dos docentes, uma peça perfeita, um privilégio para a leitura, certamente, experimentado pelo "reitor dos reitores".

Cavalheiro, generoso, decente, como o homem deve ser, Carvalho viveu a poesia. Tímido e discreto, cambiou a visibilidade pelo recato, talvez pela diabete, com a qual  teve que convier durante quase toda a sua vida, esse mal que o levou para além-mundo, a casa eterna, o templo de memória. Todavia, deixou um legado impressionante em termos de número e qualidade estética. A rigor, são muitas décadas de boa poesia, desde que levou a lume "A Canção Atrás da Esfinge", em meados dos anos 50.

Por esse ofício, recebeu o Prêmio Nestlé de Literatura, pelo seu “Quadrante Solar”. Dentre muitos estudos acadêmicos, suas poesias começaram a ser estudadas por Ana Vládia Mourão, em dissertação de mestrado, intitulada de “Três Dimensões Poéticas de Francisco Carvalho” . Em seguida, voltou a receber outro título  nacional, desta feita, o Prêmio da Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, devido a sua criação “Girassóis de Barro”. Intelectual de peso, tinha uma correspondência vigorosa. Recebeu cartas elogiosas até de José Saramago. Mas tê-lo como amigo,  foi também uma grande premiação. Além de ser um orgulho para todos nós cearenses, sua atenção era uma espécie de prata rara que polimos até a noite da última segunda-feira. E isso eu quero dizer para a minha prima Dora, a esposa do poeta (neta de um tio do meu avô, o ourives Paulo Maia Ferreira de Menezes). Como disse para o Carvalho Júnior, seu filho advogado, a Ticiana e aos parentes mais próximos, mesmo no momento em que a nau de madeira, entre pétalas e lágrimas, aportou na entrada da cremação. É fogo. Minhas têmporas tremeram na manhã de calor. Retiro o lenço do bolso. Isso já aconteceu antes.

Outro dia, em conversa, logo que ele me fraqueou uma resenha para o meu livro de contos, o provoquei sobre a complexidade do poema. Ele não tensionava desencorajar o contista que o admirava. Manso, longe do hermetismo, disse que não concordava com essa leitura. Resumiu em versos a sua preocupação: “fazer um poema não é dizer coisas profundas/ é ver as coisas como elas não são”. E, aí, eu lembrei do filósofo Frege: “pensar é como uma dor, é ver o que os outros não estão vendo”. Imortalizado pela ACL, reto e firme em toda sua vida, o próprio poeta remete-nos a sua extinção: “cem vezes morri/ duzentas vezes ressuscitei/ voltei do exílio/ numa esquife de pedra”. 

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