Regina Barros Leal
(Da Academia Cearense da Língua Portuguesa)
Noite de festa! Os preparativos. Vestidos e adereços espalhavam-se por sobre camas e cadeiras. Naquele espaço íntimo Márcia e suas amigas faziam os últimos retoques da maquiagem que, misturados com as nuvens de laquê , recendiam um aroma pueril. Movimentavam-se num vai-e-vem incessantes, entremeados de suspiros. D. Matilde recomendava para pararem com tanta confusão. Enquanto isso, Dr. Mauro já disposto e, com ar de contentamento, aguardava para acompanhar aquele grupo de jovens inquietas e viçosas. Era um festeiro de primeira categoria.
A casa, primorosa em todos os seus refinados recantos, enchia-se de uma balbúrdia juvenil. Um recanto acolhia um piano cuidadosamente limpo, o qual reluzente e portentoso esbanjava elegância e trato. Em cima, sobre toalhas de renda, pequenos bibelôs e um jarro com arranjo de rosas naturais, colhidas por seu João, no jardim bem cuidado por aquele opulento homem, de mãos calosas e voz macia.
Na sala principal, um conjunto de sofá de madeira entalhada com motivos de flores ornamentava o ambiente. Ao seu lado, uma mesa de jacarandá, um porta-retrato antigo e peças de cristal. Os lustres, os tapetes, os adornos expressavam o bom gosto da anfitriã. Era o local preferido daquelas adolescentes buliçosas. Ali, todas se reuniam em clima, quase sempre, de festa. A casa era o abrigo dos namoros, das conversas fiadas, dos estudos que iam madrugada adentro. A algazarra acontecia aos sábados e domingos, principalmente nas festas do clube.
Momento da saída. Elas, em bando, iam acompanhadas do Dr. Mauro, que, como sempre, vestiam-se de forma elegante, muito adequada à ocasião.
No clube, um salão colorido. Rapazes requintados. Garçons gentis. Música no ar. Pistons afinados por Ivanildo e seu Conjunto. Os casais dançavam ao som de valsas, boleros, sambas e rock. Ritmos variados, conquanto predominassem boleros como Bésame mucho; Solamente una vez; Perfidia... Os casais, de rostinhos colados, aninhavam-se no meio do salão. Era o famoso miolo, repleto de jovens, e razão de preocupação de muitos pais ciosos.
Por outro lado, nos cantos do salão, alguns dos jovens engelhados, medrosos, passavam a noite toda fitando o baile, sem coragem de convidar uma moça para dançar. Esses eram motivo de pilhéria dos mais afoitos dançarinos.
Em algumas mesas, acompanhadas de vigilantes pais, meninas tímidas ficavam à espera de quem as tirasse para dançar. Tola ilusão. As mais espertas, graciosamente, andavam por entre as mesas que rodeavam o salão de festa. Era o ritual do flerte, da sensualidade expressa no andar insinuante das meninas. A sexualidade anunciava-se alvissareira. Hora da sedução, em que os pares se formavam e dançavam noite adentro.
Memoráveis tertúlias! Quanta saudade!
Fim de festa. O retorno à casa. As conversas de madrugada, abafadas por pequenos travesseiros. Os rostos inflamados pela descoberta do prazer. Os corpos ardentes anunciando desejos contidos. Os cochichos das mais afoitas da noite. Sussurros. Risos. Os murmúrios de segredos revelados. As sensações inundavam o quarto, palco de sonhos e descobertas juvenis. Luzes apagadas. Passos de D. Matilde para conferir o sono das meninas festeiras. Silêncio.
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