Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

COLUNA Em vez


Em vez

HÉLIO PASSOS - hp@brhs.com.br
09.12.2012
Nada a ver
Uma universitária organiza alguns perfis "de gente que sabe escrever" e pede que eu diga qualquer coisa a esse respeito. Ora, eu, eu, um rei sem castelo, sem reinado, sem coroa, sem rainha e sem nada a ver com a nobilíssima classe "dos que sabem escrever", a não ser pela raridade brasileira da alfabetização.

Mas, vá lá. A idéia que faço de mim é a do sujeito que falava javanês e levava os abestados que não falavam javanês, conquistando o tipo de fama cretina, solícito e esquivo. Solicitude e esquivança compõem meu espectro.

O que sou
Simplesmente não sou. O que sou mesmo, em boa parte, é o que os outros acham, tal qual a universitária, que me tem em conta errada, julgando-me ser o que jamais fui. Se me tem como bom escritor, deve ser leitora ruim ou de gosto desapurado. Não digo ser dos piores, mas há tantos e tantos bem melhores. É verdade que hoje, já dobrando o cabo da boa esperança, pouco importa como me julgam. Já não pleiteio, nem reclamo. Tenho uma certa altiva distância, um orgulhoso desprezo pelo juízo alheio. Ao mesmo tempo, ainda me maltrato, masoquistamente, mas eu tenho intimidade comigo para esse maltrato.

Razão de vida
Devo dizer à querida universitária (estuda medicina) achar louvável o seu trabalho. Num país de analfabetos como o nosso, é uma raridade. Do perfil pessoal, acrescento - sou casado com a família toda, posto que pequena. Casadíssimo. Muito familiar, familioso, familial. Minha mulher, sozinha, é toda uma razão de vida. Escrevo por dois motivos -- falta do que fazer e por herança intelectual de meu pai, homem culto, homem de letras, que acabou me fazendo trotar como conseguem os velhos cavaleiros do sertão na luta pela sobrevida. O Natal é o mesmo, só eu acabei mudando. Escrevo como quem tem um telegrama a entregar.

Objeto sagrado
Sua profissão é uma das mais respeitáveis da história da humanidade, posto haja médico excelente escritor. Lembra Guimarães Rosa? Pedro Nava? Tantos e tantos. Politicamente sou um cético, meio enraivecido, paralisado, inatuante.

Não tenho compromisso com o conservadorismo. Não gosto de palavras de ordem, não gosto de ordens. Não gosto de ser enquadrado. Devo ser um lado anarquista. Talvez sonhasse em ser suíço, neutro, cruz vermelha. Bom, fico por aqui. A estudante de medicina tem cadáveres a retalhar. E eu vou continuar sendo o que sou - nada, coisa alguma, uma bolha de sabão, daquelas que a gente, em criança, fazia sair do talo do mamoeiro. Não era o máximo? 

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