Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

sexta-feira, 22 de abril de 2022

Histórias de Ronald Brito Batista de Lima

 

Histórias de Ronald Brito

 

Batista de Lima

 

O livro A seleção oportuna me foi enviado por João Xavier de Holanda, mas seu autor é J. Ronald Brito. Autor e remetente são coronéis da Polícia Militar do Ceará. O J. Ronald, hoje na reserva, já publicou mais de uma dezena de livros, versando, a maioria, sobre narrativas de seu tempo de serviço em variadas delegacias cearenses. Acontece que suas origens caririenses, especialmente entre Crato e Juazeiro, fazem com que essas duas cidades sejam cenários da maioria de seus contos e de suas crônicas.

O livro da Nova Geração Gráfica e Editora, de 2021, traz histórias memoriais que prendem o leitor por conta muitas vezes do humor e outras, pelas reminiscências caririenses. É tanto que logo na primeira narrativa, "Manhã de touro", o leitor já é conquistado pela desventura do toureiro Ramon Del Carlos, o "Monolo", que se mete a desafiar um touro valente, numa tourada nas ruas do Crato. Foi a primeira e única tourada acontecida na cidade, e vencida pelos chifres afiados do guzerá valente, botando o "Monolo" para correr ferido, para nunca mais voltar.

Nessa mesma direção humorística entra a história "O pau de sebo", instalado na Praça da Sé, em um tempo em que aquele logradouro era atapetado de capim de burro e "ostentava também suas duas touceiras de taboca". Vem em seguida o carnaval cratense das antigas em que se consumia lança-perfume das marcas "Rodouro" e "Colombina". Para melhor brilho das festas, o antigo Clube da Rapadura, próximo à Praça Siqueira Campos, deu lugar ao Crato Tênis Clube, com grande baile de inauguração no dia 17 de julho de 1950, quando a orquestra tocou a primeira música, "Siboney". Com o tempo os meninos da vizinhança eram apanhadores de bolas de tênis que passavam o muro.

Ao tratar do surgimento das primeiras casas do bairro Pimenta, o autor homenageia o bancário, gerente do Banco do Brasil, Tomé dos Santos Cabral. Folclorista e escritor pesquisador, "seu" Tomé, como era chamado, construiu o primeiro casarão do novo bairro. Os cratenses abastados passaram a construir suas casas no Pimenta: Pedro Praeira, Alexandre Belchior, Pedro Teles, Vicente Bezerra, Osvaldo Onor, e outros mais. Outros nomes importantes da cidade são citados e seus pontos turísticos reais e míticos como a "Pedra da Batateira". Nesse itinerário ele chega à crônica "A cruz de Belchior", contando a trágica história do valente iguatuense morto entre Crato e Juazeiro.

A crônica "A curva da morte" relata episódios da construção da estrada que liga Juazeiro a Caririaçu. Um deles é a "curva da morte" em que inúmeros acidentes ali ocorreram. Esse texto me trouxe à memória episódio provocado pelo famoso motorista de caminhão chamado de Zé Mandinga que certa feita, em vez de fazer a curva, desceu com o carro pelos matos cortando o ângulo de 90º formado pela estrada. Essas histórias vão acontecendo entre Crato e Juazeiro em que o autor passou a infância. Daí que em 1948, em um sábado, o autor vai pela primeira vez ao circo em que deslumbrou-se com o palhaço Alegria.

J. Ronald Brito nesse périplo entre Crato e Juazeiro disseca sobre o Bar Iracema na terra de Meu Padim, e que não tinha nada de religiosidade diante das "mulheres da vida" que o frequentavam. Também fala no sistema elétrico de Paulo Afonso chegado ao Ceará em 1961, exatamente pelo Cariri, com a criação da Companhia de Eletrificação do Ceará (CELCA). O autor defende a ideia também de que o futebol de salão entrou no Ceará, pelo Cariri, através do Dr. Nei (Francisco Augusto Tavares) que depois de formado em Recife, estabeleceu-se em Juazeiro, chegando com alguns companheiros a fundar o Club Atlético Juazeirense. Em 1955 aconteceria o primeiro campeonato de Futebol de Salão da cidade.

Alguns perfis também são postos para deleite do leitor. São personagens marcantes para a cidade de Juazeiro como Monsenhor Juviniano Barreto e Renato Casimiro, uma das mais privilegiadas inteligências do Cariri. Entretanto, vez por outra, pontificam personagens hilariantes como é o caso de Joaquim Gomes de Menezes, o príncipe Ribamar da Beira Fresca, com seus trajes heráldicos das dinastias do velho mundo. Imitava alguns trajes que apareciam no filme "A Valsa do Imperador", exibido no cine Eldorado que juntamente com o Avenida e o Roulien, mais sofisticado, formavam o trio de salas exibidoras da terra do Padre Cícero.

Personagens de destaque que militaram entra Crato e Juazeiro vão aparecendo nas narrativas e nos conduzindo a um Cariri das antigas. É o caso de José Geraldo da Cruz, proprietário do Sítio Urussui e um bom contador de causos. Nesse rol pode-se colocar o cabo Rolim, da Polícia Militar do Ceará, lotado em Juazeiro do Norte, que nas horas vagas lia a mão dos companheiros e acertava nas previsões. Ainda aparecem Natanael Cortez, Péricles de Sá Roriz e Chico Romão, de Serrita. Quando trata dos americanos que ocuparam a base "PICI FIELD", em Fortaleza, ele fala que era de cortar coração ver aqueles jovens aviadores encharcados de "whisky" que embarcavam na direção de Dakar, na África, sem saber se voltariam vivos.

J. Ronald Brito foi Chefe da Casa Militar do governo do Cel. Adauto Bezerra e depois, do sucessor Valdemar de Alcântara. Daí que muitas de suas histórias palacianas vão aparecendo no livro sempre marcadas pelo inusitado e apimentadas com refinado humor. Há, no entanto, situações pungentes como os contatos do autor com o padre José Palhano Saboia nos últimos dias antes do falecimento, quando teve sua última alegria da vida que foi a correspondência da Santa Sé, recebendo o perdão da Igreja, bem como a recuperação de seus direitos eclesiásticos perdidos por desavenças com o sinedrim sobralense.

Essas histórias memoriais dão espaço também ao episódio dos et's de Quixadá, passam de raspão pelo Caldeirão e pelo Geoparque e vão chegando ao fim do livro, deixando o leitor querendo mais narrativas. Por isso que vale a pena a leitura desse livro como forma de visitar o Cariri mesmo dele estando longe. Essa é uma das vantagens de ser bom narrador. É alçar o leitor de suas dimensões particulares e fazê-lo deslocar-se por cenários que um dia percorreu, ou que imagina que percorreu. Esse milagre é conseguido por J. Ronald Brito na sua oportuna seleção.

 

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