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e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

PARTE V - CONHECIMENTO, PAIXÃO E POLARIZAÇÃO IV - Rui Martinho Rodrigues.

 

PARTE V

CONHECIMENTO, PAIXÃO E POLARIZAÇÃO IV

A incomunicabilidade dos paradigmas e a imunização cognitiva são antípodas do ecletismo, que é a justaposição de teorias distintas por força de uma escolha seletiva de contribuições teóricas (Antônio Houaiss, 1915 – 1999). O sincretismo, mais que o ecletismo, também é entendido como antítese do viés de confirmação próprio da inacessibilidade mútua das tradições teóricas e metodológicas adversas. Originariamente sincretismo referia-se a união dos cretenses contra um inimigo comum, uma coalisão com diferentes integrantes. Modernamente passou a designar doutrinas que misturam teses sem um critério de seleção (Filosofia do Ferrater Mora, 1912 – 1921).

Antíteses, sem que precisemos aderir a G. W F. Hegel (1770 – 1831), podem originar sínteses, embora nem sempre isentas de contradições e paralogismos. O ecletismo que acomoda posições inconciliáveis, portanto mais próximo do sincretismo, é uma forte tendência no pensamento pós-moderno. A síntese de teses imiscíveis pode ocultar o predomínio de umas delas, ainda que invoque a outra como arrimo. Assim, o que temos é a incomunicabilidade dos paradigmas oculta sob o manto do ecletismo, como forma de conquista da hegemonia ideológica por uma linha de pensamento. O controle hegemônico é uma forma de ortodoxia, o que vale dizer, de intolerância.

Os meios teológicos facilmente caem na tentação da ortodoxia, classificando como heresia o pensamento divergente. Isso pode ser um instrumento útil ao pensamento secular voltado para a justificação da conquista do poder ou para a manutenção ou expansão da dominação, atitude que caracteriza uma certa concepção de ideologia. O pensamento político é permeado por tradições míticas e místicas (Raoul Girardet, 1917 – 2013) na obra Mitos e mitologias políticas. As táticas usadas pelo proselitismo e as limitações dos estudiosos do campo secular em relação ao conhecimento teológico, se somam às lacunas de alguns teólogos quanto aos saberes seculares e até no seu próprio campo, ensejando o sincretismo, não a expressão da revelação nem do rigor metódico dos bons estudos seculares.

As chamadas religiões do livro, a exemplo do judaísmo, cristianismo e islã, têm como fundamento livros havidos como revelados, cujos conteúdos tratam das relações entre Deus e os homens (verticais), de uma cosmogonia e uma orientação codificada das relações horizontais (entre os homens). As teologias das citadas tradições religiosas diferem do pensamento filosófico e do científico por terem como premissa a revelação, embora daí por diante, adotem o mesmo rigor metódico da Filosofia e da ciência.

A mistura heterogênea de significados atribuídos a uma mesma palavra é um dos problemas do sincretismo especialmente no uso das palavras igualdade, solidariedade e justiça. Este último vocábulo, mormente quando invocado como Direito Natural, causa muita confusão. Desigualdade, no discurso secular de índole libertária, tem conotação de injustiça (J. D’Assunção Barros, (1957 – vivo), na obra Igualdade e diferença. A concepção material e paritária ou igualdade na linha de chegada, nomeada como igualdade de resultados, é a base da conotação de injusto no diferente. Abriga a presunção de exigir prestações positivas como crédito contra o Estado (Carlos Simões, na obra Teoria & crítica dos direitos sociais).

Igualdade jurídica é o direito de agir, não de exigir de terceiros. Trata dos direitos negativos, que condenam a imposição de obstáculos a ação dos cidadãos. São os direitos civis e políticos ou direitos da liberdade. Já o direito de exigir tem produzido a indiferenciação entre direitos e desejos, inclusive direito de ser, com exigibilidade contra terceiros. Estes são os chamados direitos sociais. O direito de ser enfrenta obstáculos materiais intransponíveis. A exigência de prestações positivas dirigidas contra o Estado encontra obstáculo na reserva do possível.

O cristianismo não guarda relação com a indiferenciação entre desejos e o direito de ser. Não trata do direito de exigir. A solidariedade cristã não é um título de crédito contra o Estado, mas uma orientação e uma obra meritória que não pode ser terceirizada transferindo o ônus para uma personalidade jurídica de direito público, recaindo sobre terceiros que pagam impostos. O cristianismo não tem uma política secular, pois diz: a Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus (Mateus 22; 15 – 21). Apresentar as próprias cogitações como o que para os cristãos é revelação é fruto de paixão, interesse e causa polarização. Apresentar a vontade de potência, criando uma ordem social em que as pessoas sejam dependentes dos herdeiros dos reis filósofos de Platão encarregados de dirigir tudo, também é fruto de paixão, interesses e causa polarização.

Fortaleza, 13/9/22.

Rui Martinho Rodrigues.

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