"Quo vadis, Tupiniquim?"
Januário Bezerra
A necessidade de afirmação é inerente à condição
humana e, portanto, essencial às pessoas e aos povos. Não por outra razão, os
fenícios foram notáveis no comércio; os egípcios desenvolveram três tipos de
escrita, enquanto os gregos legaram ao mundo um expressivo patrimônio artístico
e filosófico. Os romanos, mercê de benefícios hauridos na absorção da cultura
helênica, fizeram o mundo conhecer o direito civil. Em seguida, Veneza brilhou
na arquitetura; Florença foi capital da moda e berço do Renascimento italiano;
os povos ibéricos dominaram o mundo na navegação. A Inglaterra promoveu a
revolução industrial e a França concebeu o Estado laico, oferecendo ao mundo a
formatação política ainda hoje adotada pelas nações, com base no Iluminismo.
A terrinha, porém, onde outrora se escondeu a Corte
Portuguesa fugindo da sanha napoleônica, parece fora do alcance vocacional para
assinalar a história com grandes feitos, apesar até mesmo do que se pode
creditar em favor de Portugal e Espanha. Quem não tem méritos para honrar o
próprio passado, muitas vezes se faz notável por razões pouco louváveis. Assim,
fomos nós [então Império do Brasil] o derradeiro Estado a abolir a escravatura
no continente americano. Se tanto não bastasse, ainda abandonamos o negro à própria
sorte. Embora liberto, ele ficou largado e sem salário; sem saúde, sem emprego,
e sem educação, a protagonizar processo de degenerescência social e econômica
que hoje, cento e trinta anos depois, vemos desaguar na deterioração moral que
aí se agiganta a estarrecer o mundo. Apesar da inequívoca melhoria
institucional, a partir da Constituição cidadã de Ulisses Guimarães, de saudosa
memória, o Brasil de hoje está mais para a Grécia quase posta fora [há pouco
tempo] da União Europeia que para a Grécia do apogeu helênico. Hoje, o Brasil
tem mais afinidade com a Itália de Berlusconi do que mesmo com aquela outra de
Cícero e Petrarca.
Enquanto o mundo capitalista buscava cortar na
própria carne, por assim dizer, na tentativa de sobrevivência em relação à
crise de 2008, que por muito pouco não fez sucumbir a economia norte-americana,
o Brasil era notícia como participante aplaudido do grupo de nações emergentes,
conhecido pelo acrônimo BRICS. Hoje, passado pouco mais de um lustro, o mundo
vê com reserva e apreensão o escândalo monumental em que anda mergulhada a maior
e outrora mais expressiva empresa brasileira, até bem pouco tempo avalista inquestionável,
eu diria, de toda a pujança nacional.
A operação Lava-Jato, já famosa e sempre noticiada
na primeira página dos jornais em todos os quadrantes, há de ser objeto de
análise pelo primeiro time de advogados, economistas e cientistas políticos aqui
no Brasil e alhures. Há de fazer que a história nacional seja contada em duas
etapas. Não há, portanto, da parte deste escriba, qualquer pretensão de abordá-la,
é claro.
Na condição, porém, de brasileiro, que no mais das
vezes desconfia de ter nascido em uma espécie de paraíso de perdulários para
com a confiança alheia, admissível se faz um raciocínio algo heterodoxo com
respeito à presente experiência, envolvendo todo o aparato jurídico-policial
brasileiro. Se entre nós [pobres mortais] ainda se encontrasse o Dr. Heráclito Fontoura
de Sobral Pinto, que nos diria aquele ilustre causídico sobre tão rumorosa
tentativa de soerguimento moral da nação? Sua opinião seria por demais
importante, haja vista ter sido ele o único advogado a defender, sem honorários,
Luis Carlos Prestes no final dos anos quarenta, para tanto invocando em favor
do seu cliente a própria lei de proteção dos animais.
Convém não esquecer, ademais, sua participação na
campanha das “diretas, já”, quando, nonagenário, propôs uma nova Constituição
com apenas dois artigos: o primeiro obrigaria todo brasileiro a ter vergonha na
cara; o segundo revogaria todas as disposições em contrário. Outra opinião
muito importante a auscultar seria a de Freud. Eu explico: em sua formulação científica,
ao elaborar os fundamentos terapêuticos da psicanálise, a que dedicou toda a existência,
aquele médico austríaco enfatizou um grupo de deformações comportamentais que
se fizeram conhecidas pela expressão neurose de sexo. Quem sabe, no largo
universo de indiciados e réus da Lava-Jato, Dr. Freud encontraria subsídios
suficientes para reciclar a teoria psicanalítica, a partir do diagnóstico de
algum novo tipo de patologia comportamental relacionada à pecúnia? Se neurose
sexual [ao contrário dos anos 50 e 60] hoje é démodé, de repente a idéia fixa
no enriquecimento ilícito poderia vir a constituir um novo filão da medicina dita
moderna, que sempre garantiu ao mercado tratamento incomparavelmente superior àquele
dispensado ao cliente.
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