A
judicialização da política é uma preocupação legítima. O fenômeno tende à
politização do judiciário, desorganizando o sistema de separação das funções
dos poderes e o sistema de freios e contrapesos.
Quem
defende a assimilação do Estado por um partido, manifesto simbolicamente pela adoção
de símbolos de agremiações nas bandeiras nacionais, a exemplo da cruz suástica
ou foice e martelo, aprova o aparelhamento das instituições e se esforça para promovê-lo.
Juízes
têm preferências políticas. Inevitavelmente têm suas visões de mundo, incluindo
concepções políticas. Mas não podem fazer delas o referencial que guia a
atividade judicante. Podem até realizar esforço hermenêutico para adequar a
literalidade da norma ao que entendem como justo. Mas não podem suprimir a
norma simplesmente ignorando-a, substituindo a função judicante pela função
legislativa. Seria arbítrio e usurpação da representação política.
O
ministro Luís Barroso votou – e foi acompanhado pela maioria dos seus pares –
contra o voto secreto para a eleição da comissão da Câmara destinada a emitir
parecer sobre o juízo de admissibilidade do pedido de impeachment da Presidente
Dilma. Ao fazê-lo suprimiu a leitura de um trecho da norma pertinente, que
contraria frontalmente o seu voto.
Malabarismos
de hermeneutas podem levar a interpretações surpreendentes. Pior do que tais
malabarismos é contrariar a literalidade da norma sem se dar ao trabalho de
apresentar a mágica pela qual defendem a inversão do sentido do texto. O min.
Barroso preferiu ignorar a passagem da norma que contraria o seu voto,
interrompendo a leitura para ocultar o artigo do Regimento que expressamente
manda que as “demais eleições se façam pelo voto secreto”.
O
talentoso ministro sabe fazer a mágica dos hermeneutas. Sabe formular uma tese
segunda a qual dois mais dois somam trinta. Esta omissão sugere que é mais
difícil demonstrar que a eleição deveria ser pelo voto aberto do que modificar
a matemática, salvo se o caso fosse de total desprezo pela norma, preferindo
ignorá-la. Ambas as hipóteses são extremamente graves.
A
maioria do STF acompanhou o estranho voto. Seria desconhecimento da norma?
Hipótese escandalosa.
Seria
por partilhar o entendimento de um Estado subsumido ao partido? Ou haveriam
outras motivações? Não sei qual a pior das hipóteses.
Trezentos
deputados, inconformados com o estranho voto, fizeram um manifesto indignado. É
a maioria absoluta da Câmara, superando a soma dos três maiores partidos. Não
se chegaria a tantos deputados sem a participação expressiva da base
parlamentar do governo.
Mas
o manifesto de 300 deputados foi quase inteiramente ignorado pela “grande imprensa”,
aquela que os grupos ideológicos dizem ser contraria ao messianismo político.
A
Associação dos Juízes Federais defendeu o voto esdrúxulo aprovado pelo STF sem
argumentar sobre o mérito, sem tentar a mágica dos hermeneutas. Corporativismo?
Aparelhamento ideológico? Servilismo? Qual é a pior hipótese?
A
comunidade jurídica, os meios políticos e a imprensa, não repercutiram o fato na
proporção da gravidade que ele tem.
Como
dizem os jovens: tá tudo dominado.
Porto
Alegre, 07/02/16
Rui
Martinho Rodrigues
Nenhum comentário:
Postar um comentário