Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

sábado, 11 de junho de 2016

OS 300 BRAVOS DE ESPARTA

               A judicialização da política é uma preocupação legítima. O fenômeno tende à politização do judiciário, desorganizando o sistema de separação das funções dos poderes e o sistema de freios e contrapesos.
Quem defende a assimilação do Estado por um partido, manifesto simbolicamente pela adoção de símbolos de agremiações nas bandeiras nacionais, a exemplo da cruz suástica ou foice e martelo, aprova o aparelhamento das instituições e se esforça para promovê-lo.
Juízes têm preferências políticas. Inevitavelmente têm suas visões de mundo, incluindo concepções políticas. Mas não podem fazer delas o referencial que guia a atividade judicante. Podem até realizar esforço hermenêutico para adequar a literalidade da norma ao que entendem como justo. Mas não podem suprimir a norma simplesmente ignorando-a, substituindo a função judicante pela função legislativa. Seria arbítrio e usurpação da representação política.
O ministro Luís Barroso votou – e foi acompanhado pela maioria dos seus pares – contra o voto secreto para a eleição da comissão da Câmara destinada a emitir parecer sobre o juízo de admissibilidade do pedido de impeachment da Presidente Dilma. Ao fazê-lo suprimiu a leitura de um trecho da norma pertinente, que contraria frontalmente o seu voto.
Malabarismos de hermeneutas podem levar a interpretações surpreendentes. Pior do que tais malabarismos é contrariar a literalidade da norma sem se dar ao trabalho de apresentar a mágica pela qual defendem a inversão do sentido do texto. O min. Barroso preferiu ignorar a passagem da norma que contraria o seu voto, interrompendo a leitura para ocultar o artigo do Regimento que expressamente manda que as “demais eleições se façam pelo voto secreto”.
O talentoso ministro sabe fazer a mágica dos hermeneutas. Sabe formular uma tese segunda a qual dois mais dois somam trinta. Esta omissão sugere que é mais difícil demonstrar que a eleição deveria ser pelo voto aberto do que modificar a matemática, salvo se o caso fosse de total desprezo pela norma, preferindo ignorá-la. Ambas as hipóteses são extremamente graves.
A maioria do STF acompanhou o estranho voto. Seria desconhecimento da norma? Hipótese escandalosa.
Seria por partilhar o entendimento de um Estado subsumido ao partido? Ou haveriam outras motivações? Não sei qual a pior das hipóteses.
Trezentos deputados, inconformados com o estranho voto, fizeram um manifesto indignado. É a maioria absoluta da Câmara, superando a soma dos três maiores partidos. Não se chegaria a tantos deputados sem a participação expressiva da base parlamentar do governo.
Mas o manifesto de 300 deputados foi quase inteiramente ignorado pela “grande imprensa”, aquela que os grupos ideológicos dizem ser contraria ao messianismo político.
A Associação dos Juízes Federais defendeu o voto esdrúxulo aprovado pelo STF sem argumentar sobre o mérito, sem tentar a mágica dos hermeneutas. Corporativismo? Aparelhamento ideológico? Servilismo? Qual é a pior hipótese?
A comunidade jurídica, os meios políticos e a imprensa, não repercutiram o fato na proporção da gravidade que ele tem.
Como dizem os jovens: tá tudo dominado.
Porto Alegre, 07/02/16

Rui Martinho Rodrigues

Nenhum comentário: