A matéria é interessante. Note que todas as datas que se referem à interpretação literal da presença do corpo de Cristo no pão e do sangue de Cristo no vinho, são da Idade Média. Não há nenhum documento dos três primeiros séculos (antiguidade clássica) dizendo isso. A referida interpetação surgiu com os acréscimos colacionados pela tradição às escrituras reveladas, não havendo nelas mesmas nenhum destaque para uma frase dita por Jesus em uma única ocasião, que jamais foi objeto de explicação ou de discussão por parte dele ou dos apóstulos.
A impertretação literal confere enorme importância a frase sobre pão ser carne. Não foi dito "se transforma em meu corpo", mas "É o meu corpo", na forma típica das metáforas. Um ponto tão importante deveria ser objeto de explicação e discussões pelos apóstulos e principalmente pelo apóstulo Paulo, que foi o grande doutrinador do cristianismo. Mas nem os apóstulos em geral nem Paulo em particular jamais disseram uma só palavra sobre o assunto.
A centralização da administração eclesiástica, sob a autoridade de um chefe (Papa), apartir do Concílio de Nicéia, de 325 AD, sob a direção do Imperador Romano Constantino, que dizia haver se convertido, muitas coisas foram acrescentadas às práticas dos cristãos. O Imperador sentia necessidade desesperada de reforçar o Império Romano, que começa a declinar. Criou então uma aliança com os cristãos unindo Igreja e Estado, instituiu a administração centralizada (até então existiam diversos prioriorados, como o priorado de Alexandria, o de Roma etc) e passou a ditar normas convenientes à sobrevivência do império.
A partir daí instituiram o Natal (embora na tradição bíblica não se comemore aniversário) na data da festa ao deus sol, para promover a união do Império Romano, promovendo o sincretismo entre cirstãos e pagãos. Instituiram o ovo e o coelho como símbolos da páscoa, também para aproximar cristãos e pagãos, pois os dois símbolos representavam a fertilidade, que era cultuada pelos pagãos, adoradores de Baco, deus do vinho e da fertildade, cujas festas tinham o significativo nome de "bacanal".
Muitas coisas foram acrescentadas sem que fizessem parte da revelação. É bom lembrar que os apóstulos Paulo e João declaram fechado o cânone, advertindo que o que fosse acrescentado seria, nas palavras de Paulo, "vento de doutrina".
A línguagem bíblica, como toda linguagem que trata de questões metafísicas, é carregada de simbolismos, metáforas, alegorias e outras figuras de linguagem.
Como Jesus viveu entre nós com duas naturezas, uma divina outra humana, comer a carne e beber o sangue Dele seria um ato de teofagia (alimentar-se do próprio Deus) e também de antropofagia (alimentar-se de carne humana) ao mesmo tempo, como dizem os muçulmanos.
Quando o Imperador romano apoderou-se da direção da Igreja, no concílio a que aludi, em 325, houve quem resistisse. Estes morreram. Houve quem se isolasse em mosteiros, dando origem às ordens que se isolaram nos monastérios, para não ter de resistir e morrer, nem ter de participar das novas doutrinas e práticas, como houve quem se refugiasse em montanhas, passando a vier na clandestindade até o fim da Idade Média, quando um sopro de liberdade permitiu que voltassem ao convívio social.
A ideia de que havia unanimidade doutrinária nos primeiros tempos do cristianismo é própria de quem olha os fatos de longe. Mas desde o século I que as discussões ferviam. Veja as cartas do apóstulo Paulo e você notará que ele travava debates constantes com os contemporâneos. Ele foi o grande codificador do cristianismo, como dito. Assim como Sócrates nada deixou escrito e nos foi apresentado por Platão, Cristo nada escreveu e chamou Paulo para codificar o cristianismo. Nas cartas paulinas nada é dito sobre a transubstanciação (fenômeno da transformação do pão em carne e do vinho em sangue).
Sendo nas cartas paulinas o lugar onde o codificador do cristianismo tratava das questões importantes para a doutrina, é estranho que ele não tenha tratado de um assunto importante como a tansubstanciação.
Os quatro livros bíblicos conhecidos como evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João), que são considerados históricos, porque narram o ministério de Jesus do nascimento a ressurreição, não obstante serem predominantemente históricos, conforme a designação que recebem dos teólogos, são também doutrinários. Não há neles nenhuma palavra comentando a frase dita por Jesus sobre pão e vinho serem corpo e sangue, não havendo destaque para uma frase que teria tanta importância.
Também o livro de Atos dos apóstulos, que é igualmente classificado como histórico, porque narra o ministério de Jesus da ressurreição até a partida para o céu, mas também contém doutrina, não diz nada sobre transubstanciação.
Jesus costumava explicar as parábolas para os apóstulos, como o fez com a parábolas das sementes que caiam em solo pedregoso, outras o passarinho comia etc. Nenhuma explicação foi dada por ele à frase sobre sobre pão se transformar em carne.
Os milagres ligados à transubstanciação só passaram a acontecer na Idade Média, depois que o Império Romano se assenhoriou da Igreja, após a alegada conversão do imperador Constantino.
O tema é instigante. Exige muito mais espaço e tempo do que temos aqui. Mas sempre é bom dialogar sobre coisas tão relevantes.
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