FOLHA DE S. PAULO
Terça-feira, 06 de janeiro de 2014
Hélio Schwartsman
Janela para a alma
SÃO PAULO - O que eu gosto na política é que ela constitui uma janela com vista direta para a alma humana. As preferências ideológicas das pessoas cobram tamanha fidelidade de quem as abraça que muitas vezes funcionam como um marcador dos passos tortuosos que o cérebro dá para apaziguar as inevitáveis contradições do mundo real.
Tomemos o caso de Dilma Rousseff. Ela obviamente optou por tentar consertar os erros econômicos de seu primeiro mandato por meio de um ajuste liberal ortodoxo, o que exigirá uma combinação de mais impostos e menos benefícios sociais.
O problema é que Dilma, além de ter sugerido na campanha que não trilharia esse caminho, vê a si mesma como mulher de esquerda, cuja prioridade é promover o bem-estar dos pobres. Há, portanto, um desencontro entre os próximos passos do governo e a autoimagem presidencial.
Até aí não há muita novidade. A vida é mesmo repleta dessas incongruências. Nossas mentes, porém, têm horror a esse choque, que os psicólogos chamam de dissonância cognitiva. Para reduzir a dor da contradição, o cérebro racionaliza, isto é, modifica as ideias, crenças e memórias que se mostram incompatíveis até que o conjunto pareça palatável.
Nesse processo, coerência e lógica estão entre as peças mais sacrificáveis. Isso ficou razoavelmente claro tanto no discurso de posse da presidente, pelo qual será possível promover um ajuste recessivo sem recessão, como nas broncas que ela já andou passando a auxiliares cujas declarações feriram a narrativa que a mandatária faz de seu governo.
E o caso de Dilma nem é dos mais patológicos. Meu exemplo favorito de racionalização é a declaração de um "serial killer" americano apanhado pela polícia em 1994: "Além das duas pessoas que matamos, das duas que ferimos, da mulher em que demos coronhadas e das pessoas que fizemos comer vidro, não machucamos ninguém". O céu é o limite.
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