Daí que logo na estreia oficial do instrumento, domingo passado, 28 de abril, o reformulado Estádio da Fonte Nova viu uma revoada de caxirolas rumo ao gramado. Eram torcedores revoltados do Bahia protestando contra seus dirigentes, enquanto o time perdia para o rival Vitória por 2 a 1. Foi o bastante para o pessoal da grana ficar de orelhas em pé prevendo novas manifestações não-musicais já agora na Copa das Confederações. Bateu um medinho e estão pensando em colocar uma bula para ensinar ao brasileiro como usar o instrumento com responsabilidade.
É isso que dá pensar só em dinheiro e não nas pessoas que fazem e sustentam o espetáculo. Porque, será mesmo que eles acham que ninguém perceberia que a caxirola não passa de um caxixi de plástico? E que é um completo absurdo privatizar um bem cultural tradicional? Ou então que a caxirola não tem relação alguma com o futebol brasileiro? Só mesmo Galvão Bueno e Tadeu Schmidt, os porta-vozes futebolísticos da Globo, para defenderem tal disparate.
Direto ao ponto, o jornalista José Trajano afirmou durante o programa Linha de Passe (ESPN) que o torcedor tem o direito de jogar a caxirola onde bem entender. Na Copa da África do Sul as vuvuzelas podiam ser (e eram) um inferno para os ouvidos estrangeiros, mas eram genuínas integrantes da cultura do futebol no país. E a caxirola? Até quinze dias atrás ela nem existia! Porque diabos deveríamos aceitar algo imposto por essa dobradinha poder público/iniciativa privada e que provavelmente foi gestado em algum reunião de brainstorm com publicitários de sapatênis?
Mas nada disso me surpreende, na verdade. Agora, o papel de Carlinhos Brown nessa tragicomédia... como é que pode um sujeito assumidamente ligado à cultura popular pegar um instrumento tradicional (alô pessoal da capoeira!), dar um tapinha e registrar como criação sua?! Sou fã de Brown e o defendi em março do ano passado no texto “Quem tem medo de Carlinhos Brown?”, mas prevejo que a chuva de garrafas que tomou na cabeça durante o Rock in Rio em 2001 vai ser pinto perto do tsunami de caxirolas que se avizinha por aí. Olha, a Revolta da Caxirola virou até cordel.
Essa apropriação privada de um instrumento popular é o mais grave desse caso, mais até do que a imposição de um símbolo (o pessoal da grana que se vire com o encalhe das caxirolas). Em texto contundente, o antropólogo Henrique Parra tem uma sugestão para minimizar o absurdo dessa situação: “Se o governo está interessado em criar um símbolo, bem poderia indicá-lo e deixá-lo livre, como são os símbolos, ao invés de transformá-lo em propriedade privada. (...) Diversas fabricantes nacionais poderiam produzi-lo, diversos comerciantes locais poderiam distribuí-lo e aquelas corporações interessadas em fazer o produto circular em “outras esferas” (produtos especializados para consumidores endinheirados) poderiam recolher uma taxa específica cujos recursos poderiam ser destinados ao apoio de milhares de escolas de capoeira e grupos culturais espalhados pelo País”. Isso sim é um Brasil de todos.
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