Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

RELEMBRANDO CARLOS GOMES!



Carlos Gomes, menino pobre, caipira, foi o homem simples que conheceu a glória na Itália, berço da música lírica.  Considerado formalmente como a glória de nossa Pátria por D. Pedro II, foi o primeiro compositor brasileiro a se apresentar no mais conceituado teatro operístico de seu tempo, o Alla Scala de Milão.

Música e poesia não lhe pagavam o humilde pão do dia-a-dia: Tonico ganhava dinheiro costurando calças para alfaiatarias. Chuleava, pespontava, pregava botão, cerzia, pedalava a máquina de costura com muita perícia e ligeireza, sempre a assobiar alguma modinha.

Ao completar 23 anos, decidiu viajar ao Rio de Janeiro e matricular-se no Conservatório de Música. Foi com a conivência de diretores da Instituição que passou a frequentá-la irregularmente, sem pagar mensalidades.

Dois anos após, ele apresentou um novo trabalho operístico, “Joana de Flandres”, que teve no camarote a aplaudi-lo ninguém menos que um fã entusiasta das artes, o Imperador D. Pedro II, que agraciara o campineiro com a Imperial Ordem da Rosa. Ao Conde d'Eu ele confidenciaria: "Vejo no moço um futuro mais promissor para a ópera em nosso país".

Carlos Gomes foi convidado a terminar seus estudos na Europa, a expensas do Governo Imperial. Mário de Andrade, quase quarenta anos após, diria que o gênio de Gomes destacou-se tanto pelo estilo romântico, quanto pelo dramático de suas composições, um “verismo (de Verdi) com toques wagnerianos”.

O acaso muitas vezes nos prepara grandes surpresas. Carlos Gomes desejava ardentemente um tema brasileiro que pudesse trabalhar na linguagem de Verdi. Diz a história que, em certa tarde de 1867, passeando pelo “duomo”, ouviu de um vendedor: "Il Guarany! Il Guarany! Storia interessante dei selvaggi del Brasile!" Assim, surgiu a ópera imortal “Il Guarany”.

Carlos Gomes, aos trinta e cinco anos, tornou-se o primeiro compositor brasileiro a reger uma de suas obras no Teatro Scala de Milão. O sucesso foi tal que autor teve de retornar ao palco, ao final da apresentação, por dezoito vezes. O grande Verdi, patrono e mecenas de tantos novos talentos, na noite memorável, disse a respeito de Carlos Gomes: "Questo giovane comincia dove finisco io!" ("Este jovem começa onde eu termino!").

“Carlos Gomes, bem conscientemente, como prova a dedicatória do “Schiavo”, foi em música o companheiro de Castro Alves na campanha abolicionista. Tudo música a serviço de alguma coisa a mais que um simples diletantismo estético”. (Mário de Andrade).

Estava à espera de sua nomeação como diretor do Conservatório de Música, quando foi proclamada a República e D. Pedro II, exilado do Brasil. Visto como amigo e fiel a D. Pedro II, ninguém no meio político ou artístico, por interesse próprio ou por temor dos militares aceitou, em qualquer das Províncias, empregá-lo.

O câncer de língua e garganta já o fazia sofrer dolorosamente. Todavia, as desilusões, as decepções, a ingratidão de seus compatriotas e as dores físicas não lhe haviam quebrado a resistência. Em fevereiro de 1895, escreve: “ É triste, cômico, gastar até o último vintém  para no fim ficar prisioneiro de uma feroz inimiga: a Miséria!”

Após tanto sofrimento, em 1896, chega-lhe um convite de trabalho. Lauro Sodré, então governador do Pará, pediu-lhe para organizar e dirigir o Conservatório daquele Estado. Embarca no vapor Óbidos para o Brasil. De passagem pela ilha Funchal, tem o prazer de abraçar seu velho amigo, o abolicionista André Rebouças, ali exilado pelos militares no poder.

Cercado por amigos, com o governador Lauro Sodré à cabeceira, Carlos Gomes morreu no dia 16 de setembro de 1896.

A grandiosidade do gênio de Carlos Gomes tardou a ser reconhecida. Nossos modernistas não lhe perdoavam haver se expressado na forma romântica e em italiano! Ao final de 1934, Mário de Andrade escreveu: “Carlos Gomes tem um “métier” formidável não apenas conseguido à custa dos anos, mas o do operário intelectual que estuda e aprende e enfim sabe pra então principiar a sua criação... Foi honesto, teve o que ninguém quer ter, trabalho. Deu-se a um trabalho a que ninguém quer se dar, o estudo quotidiano e irremediável. E por isso ele ainda se conserva como o Maior”.


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