O MUNDO, APOLO E DIONÍSIO
O mundo apolínio é uma alusão ao domínio
da razão, ordem e harmonia da sabedoria. O mundo dionisíaco é o caos, a loucura.
Friedrich Nietzsche (1844 – 1900 “O nascimento da tragédia”, usa os dois termos
tendo em vista a estética do equilíbrio entre as duas tendências nas tragédias
gregas consideradas como as mais altas expressões artísticas. É a História como
tragédia, um equívoco. A solução de problemas, como motor da história, é mais
importante do que os conflitos (Darcy Ribeiro, 1922 – 1997, “O processo
civilizatório”).
Uma nova ordem mundial tem ocupado
espaço crescente nas redes sociais. Ordem mundial pode ser compreendida como a
forma das relações políticas, econômicas e culturais, um sistema de poder e uma
hierarquia. A sincronia entre as partes da citada ordem, simultaneidade com ou
sem causalidade, não exclui a diacronia e transformações profundas. O fenômeno
pode ser compreendido pelo significado das interações (K. E. Maximilian Weber, 1864
– 1920, “Metodologia das ciências sociais”).
O ordenamento das relações entre as
nações é dinâmico. Períodos de transformações lentas e superficiais e de
mudanças profundas e rápidas se alternam. Conflitos armados nem sempre introduzem
transformações. Mas violência, mortos, mutilados e destruição impactam
profundamente. A paz é um valor central. Immanuel Kant (1724 – 1804, “A paz
perpétua: um projeto filosófico”) denuncia a imoralidade da guerra e admite que
ela é uma condição natural entre Estados. Propõe uma ordem mundial capaz de
preservar a paz. Impérios tendem a impor uma paz, conforme a expressão pax romana.
O horror das grandes guerras estimulou
acordos entre grandes potências que limitaram conflitos. A paz de Vestfália (1648),
após a Guerra dos Trinta Anos, durou quase um século e meio. O Congresso de
Viena, após as guerras da Santa Aliança contra a França, proporcionou um século
sem guerras generalizadas. A Liga das Nações, criada logo após a Primeira
Guerra Mundial, pretendia estabelecer a paz perpétua de Kant. Falhou. Após a
Segunda Guerra Mundial a ONU foi criada com o mesmo espírito. Também falhou.
O sonho do mundo apolínio permanece.
Terrorismo; tráfico de drogas, armas e pessoas; transações financeiras da
corrupção; direitos humanos; preservação ambiental; e conflitos confessionais
fortaleceram a tese da ordem mundial supranacional, com poder legislativo e
executivos, explicitamente defendida por muitos, como na obra “O mundo não tem
mais tempo a perder”, coordenada por Sacha Goldman, com textos de Bernard
Miyet, Edgar Morin, Michael W. Doyle, Michel Rocard, Mireille Delmas-Marty,
Peter Sloterdijk, René Passet e Stéphane Hessel e prefácio de Fernando Henrique
Cardoso.
A ideia, não só dos autores citados, é
estabelecer a paz criando uma ordem supranacional, restringindo a soberania dos
Estados, com uma só moeda, um tributo universal, uma legislação internacional,
uma filosofia e uma religião universais. Mas tais coisas poderão gerar mais
conflitos. O mundo apolínio pode tornar-se um neocolonialismo. A política dos governadores,
iniciada pelo presidente M. F. de Campos Sales (1841 – 1913) para ser uma
política de Estados (memórias do presidente aludido), transformou-se em
política de governadores.
Grandes torpezas são
feitas em nome de valores excelsos. A vontade de potência usa o discurso
virtuoso. Joseph Rudyard Kipling (1865 – 1936), laureado com o prêmio Nobel em
1907, escreveu poema “O Fardo do homem branco”, apresentado o colonialismo como
uma forma de proteção dada aos povos inferiores com o sacrifício dos mais
civilizados. A ordem mundial supranacional pretende defender a paz, a
solidariedade social e a justiça. Diferentes grupos de poder, propondo
distintas soluções para os problemas mundiais, conflitam por diferentes
concepções apolínias. É a dualidade das tragédias.
Fortaleza, 4/3/22.
Rui Martinho Rodrigues.
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