OS SONÂMBULOS
A Primeira Guerra Mundial (IGM) foi
estudada por muitos pesquisadores. Os líderes das grandes potências, na ocasião
da conflagração, estariam desligados da realidade (Christopher F. Clark, 1953 –
vivo), em “Os sonâmbulos: como eclodiu a Primeira Guerra Mundial”. O título sugere
a interpretação do autor para a conflagração. A perda de contato com os fatos
acontece repetidas vezes ao longo da história. Barbara Tuchman (1912 – 1989),
em “A marcha da insensatez” enumera situações em que governos caminharam para o
desastre, apesar das advertências, excluídos os casos em que as decisões foram
tomadas apenas por um chefe absoluto, limitada aos governos em que havia espaço
para a divergência.
O momento atual pode ser mais uma marcha
insensata. É semelhante aos dias que antecederam a IGM, pela leitura de “Os
canhões de agosto”, outra obra de Tuchman, que é uma interpretação segundo a
qual os chefes de governo, na IGM, tornaram-se prisioneiros de uma retórica e
de algumas decisões adotadas pela oratória política. A tragédia pode se
repetir. A humanidade é trágica e farsante. A repetição é comum, com licença de
Karl H. Marx (1818 – 1883). A política e a guerra têm a farsa como tática. A
repetição de interesses e paixões humanas; de fatores geográficos que levam ao
confronto pelo controle de estreitos nas rotas de navegação e dos desfiladeiros
estratégicos e outros fatores recorrentes promovem a repetição histórica.
Alianças contribuíram para a guerra
generalizada em 1914. A ilusão de que a integração econômica, gerando
interdependência, fortaleceria a paz foi um erro. A Alemanha dependia de grãos e
minérios da Rússia. Isso não impediu a guerra entre o os impérios do Czar e do Kaiser.
A interdependência aprofundou o medo e levou ao conflito. A retórica em 1914
defendia o “direito” da Alemanha a um pedaço da África e da Ásia (outras potências
tinham colônias). A França deveria recuperar a “honra nacional” retomando a Alsácia-Lorena.
A Rússia era a “protetora dos eslavos”. A Sérvia lutaria pelos bósnios de etnia
eslava.
Hoje a retórica é democracia, mudança
climática (causada pelos outros), a governança mundial para combater terrorismo,
tráfico de drogas, pessoas e armas, corrupção de políticos e empresários, a
superação da soberania de nações (fracas) e o fortalecimento de organismos
supranacionais. Tudo isso aprisiona políticos e dificulta acordos.
A situação financeira,
depois da bolha imobiliária em 2008, que foi tratada pelos bancos centrais dos
EUA, Europa e Japão, com expansão dos meios de pagamento, gerou uma bolha de
tudo, que a pandemia fez crescer exponencialmente. Guerra, sanções econômicas e
despesas militares ameaçam a cadeia de produção e distribuição de bens, a
inflação pela restrição da oferta, o desequilíbrio fiscal e a bolha financeira
crescem. Erros de “sonâmbulos” sem contato com a realidade? Ou estratégia
arriscada para substituir o dólar por uma moeda, talvez universal e virtual,
criar um governo das grandes potências como alternativa ao desastre nuclear? Seria
o programa dos intelectuais, megaempresários e políticos do Collegium Internacional, defendido em “O
mundo não tem mais tempo a perder” (coord. por Sacha Goldman), com uma só moeda,
um só governo, um só exército, uma só Filosofia e uma só religião (liberdade de
consciência excluída em nome da paz), invocando ou não “A paz perpétua: um
projeto filosófico” Immanuel Kant (1724 – 1804). O calote da dívida das grandes
potências viria junto com o grande reinício?
Fortaleza, 17/3/22.
Rui Martinho Rodrigues.
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