INDIVIDUALISMO
E INDIVIDUALIDADE
O
sufixo “ismo” passou por transformações semânticas desde suas origens gregas.
Tornou-se polissêmico. Pode indicar algo tóxico (tabagismo); movimento político
ou doutrina (socialismo); crença religiosa (islamismo), segundo Antônio Houaiss
(1915 – 1999) no Dicionário que leva o seu nome. É empregado em sentido
pejorativo, como disfunção, por analogia com a Medicina (artritismo). Ativistas
do multiculturalismo diferencialista de movimentos identitários o consideram
ofensivo.
Individualismo
adquiriu um sentido pejorativo, contrário ao nobilitante humanismo. Algumas
teorias políticas o associam ao egoísta, que vive exclusivamente para si, com
pouca ou nenhuma solidariedade. Outras o relacionam ao apreço pela liberdade e
satisfação de inclinações naturais legítimas. O sentido pejorativo guarda
relação como a concepção de sociedade. Quem considera o homem mais inclinado
para o mal do que para o bem, ou para a perversidade, quando tenha oportunidade
(Nicolau Maquiavel, 1469 – 1527, na obra “O Príncipe”), tende a limitar a
liberdade, considerando-a o caminho do egoísmo. Thomas Hobbes (1588 – 1679)
também adotou a visão lupina do homem e não por acaso propôs o Estado Leviatã.
O
problema da concepção do homem lobo do homem, nas formulações políticas, é que
a presunção de torpeza aplicada à maioria dos homens, excepciona o príncipe de virtù. Nisso Maquiavel não é
maquiavélico. Não disfarça o elitismo sob o manto do “esclarecimento” ou da
“verdadeira consciência”. O poder corrompe, o poder absoluto corrompe de modo
absoluto (John Dalberg-Acton (1834 – 1902). Os homens de virtù, sejam príncipes
ou “vanguarda esclarecida” têm o propósito de criar um novo homem, superior aos
malvados descritos pelo pensador florentino. A realização deste ato demiúrgico
exige a construção de uma sociedade capaz de produzir homens angelicais, tarefa
que precisa de poder absoluto. Então corrompem-se de modo absoluto os homens
“virtuosos”.
John
Locke (1632 – 1704) evitou estigmatizar o homem como lupino. Recusou também a
hipótese do homem angelical. Julgou que fossemos potencialmente lobo e anjo da
guarda. Propôs então uma fórmula que propiciasse a liberdade sem deixar de ter
alguma proteção contra as manifestações predatórias.
As
relações sociais concebidas como do tipo comunitário supõem vínculos sociais
rigidamente definidores da totalidade da personalidade. Brasileiros
necessariamente gostariam, segundo esta visão, de carnaval e futebol. O
afrouxamento das relações comunitárias levaria ao atomismo, situação
desagregadora, ao individualismo em sentido pejorativo. O associativismo do
tipo comunitário percebe a sociedade como um ente biológico. Órgãos (homens)
pertencem a um organismo. Não faz sentido pensar em direitos do fígado como
salvaguarda contra o corpo ao qual pertencem. Indivíduo não têm direitos diante
do “organismo” social.
O
homem, para os conservadores, pertence a Deus, pátria e família (divisa da
Aliança Integralista Brasileira). Revolucionários também negam que o homem
pertença a si mesmo, pertencendo a um partido, classe ou grupo identitário.
Ambos negligenciam a liberdade. As relações sociais, porém, não são apenas organicistas
ou atomistas. Podem ser do tipo societário, um gregarismo no qual pessoas se
associam para realizar os seus objetivos. Os sócios de um comércio não criaram
a sociedade para servi-la. Ela os serve. Isso preserva a individualidade
distinta da sociedade, com direitos que limitam o associativismo. A sociedade
democrática é feita para os associados, não o contrário.
Fortaleza,
7/6/21.
Rui
Martinho Rodrigues.
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