A
ERA DAS DISTOPIAS
No passado faziam-se utopias. Felicidade,
leis justas, instituições e pessoas comprometidas com o bem comum, a exemplo da
“A República”, de Platão (428/427 a. C. – 348/347 a. C.) e da “Utopia”, de
Thomas More (1478 – 1535) eram escritas. Contemporaneamente fazem-se obras nas
quais as sociedades descritas são verdadeiro horror, distopias como “1984” de
Eric Arthur Blair (George Orwell, 1903 – 1954) e “Admirável mundo novo”,
(Aldous Leonard Husley, 1894 – 1963). Será verdade que nada está na realidade
política de um país, que não esteja primeiro na sua literatura (Hugo von Hofmannsthal,
1874 – 1929)?
A retorica política exalta a
representação e a participação popular no governo. Paradoxalmente a ciência é
invocada cada vez mais frequentemente e apresentada como unívoca, legitimada
por uma comunidade científica unânime, isenta, uma razão universal e unívoca, feita
por pessoas honestas e sábias, substituindo o povo. Louis Althusser (1918 –
1990) disse que a prestigiosa universidade francesa, onde ensinou, era o templo
da vigarice, apresentando como prova o fato de haver ensinado a interpretar
Karl Heinrich Marx (1818 – 1883), sendo reconhecido e respeitado como
conhecedor do assunto, tendo lido do autor citado apenas o “Prefácio para a
crítica da Economia política”.
Um grupo de intelectuais, quase todos
europeus, se propõe a orientar a política do mundo: refiro-me ao Collegium
International. Não ausculta a opinião pública. Seus consultores são
climatologistas, economistas, demógrafos, juristas e outros cientistas. A
semelhança com a sofocracia da “República” de Platão não é mera coincidência. Lembra,
ainda, a obra de Lênin (Vladimir Iliych Ulianov, 1870 – 1924), “O que fazer?”,
na qual é defendida a tese da condução do partido e das massas pela liderança
esclarecida.
O citado Collegium fez um documento
dirigido a ONU, um plano de governo mundial. Publicado em 2014, em forma de
livro, intitulado “O mundo não tem mais tempo a perder”, prefaciado por
Fernando Henrique Cardoso. Adverte sobre o que eles chamam de “policrise”
mundial: ecológica, econômica, moral, social, política e institucional. É um
diagnóstico gravíssimo. Anuncia catástrofe iminente. A situação requer medidas
heroicas e imediatas, na visão do colégio de sábios.
A necessidade de “superar” a oposição
público/privado é proclamada, embora no Direito Privado a regra seja a
liberdade (o que não é expressamente proibido é permitido), enquanto no Direito
Público o que não é expressamente permito seja proibido e a publicização de
tudo extinga a liberdade. Não se trata de uma reforma atualizando a divisão entre
Executivo, Legislativo e Judiciário. O novo parâmetro seria a humanidade, não
as pessoas ou países. Os direitos individuais desapareceriam por perda de
objeto, isto é, por falta de pessoas. O desaparecimento dos estados nacionais
daria lugar a um governo mundial, considerado inevitável em razão da
interdependência e dos graves desafios.
O apelo explícito do
Collegium é pela criação de um laboratório político encarregado de definir os
interesses superiores da humanidade, por meio de representantes da sociedade
civil (lugar de triagem da representação?) de autoridades morais (?), intelectuais
e científicas. Nova moral, nova Filosofia, nova ciência e a superação dos
estados nacionais é a proposta. Demência de intelectuais octogenários? Pode
ser, mas delírios já produziram grandes desastres. Os novos gestores da moral
já firmaram um index de palavras proibidas. O Collegium não está só. Representa
uma tendência hegemônica.
Fortaleza, 18/6/21.
Rui Martinho Rodrigues.
Nenhum comentário:
Postar um comentário