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Vicente Alencar

segunda-feira, 1 de março de 2021

UM PAÍS AGRÍCOLA? - Fortaleza, 27/2/21. Rui Martinho Rodrigues.

 UM PAÍS AGRÍCOLA?

No passado livros escolares descreviam o Brasil como um “país essencialmente agrícola”. Depois nos industrializamos substituindo importações, praticando protecionismo, incentivos fiscais e políticas cambiais. A dinâmica demográfica era marcada por crescimento vegetativo acelerado e migração do campo para as cidades. O Leviatã dirigia tudo.

Tínhamos uma população predominantemente jovem. A troca do campo pela cidade proporcionava algum ganho de produtividade. O analfabetismo recuava lentamente e os anos médios de escolaridade cresciam no mesmo ritmo. Deixamos de depender do café. Os EUA deixaram de ser o destino de quatro quintos das nossas exportações. Produtos industrializados tornaram-se a maior parte das nossas vendas ao exterior. Crescemos rapidamente. Quase tudo saiu conforme as teses de Roberto Cochrane Simonsen (1889 – 1948). Exceto inflação fora de controle, desigualdade crescente, cidades degradadas, improbidade administrativa sistêmica agravando o patrimonialismo, além produtos caros e ruins. A revolução tecnológica matou o modelo varguista aprovado por Roberto Simonsen.

Eugênio Gudin Filho (1886 – 1986), o antípoda de Roberto Simonsen, criticou o planejamento centralizado, apontou o fracasso deste caminho em Portugal e Itália (governos fascistas) e na URSS, quando muitos admiravam o modelo soviético. Gudin propunha uma economia baseada nas nossas vantagens comparativas: terra fértil, água e sol. Advertia: não temos pessoal qualificado; nem o capital intensivamente usado na indústria; e os recursos energéticos eram escassos. O petróleo só seria abundante meio século depois. A industrialização deveria ser promovida pela iniciativa privada, sem endividar o Estado; sem sacrificar a agricultura; priorizando a indústria leve, que tem um prazo de maturidade menor e exige menos investimento. Foi acusado injustamente de ser contra a industrialização. Prevaleceu o estatismo, o protecionismo e dirigismo. Os péssimos resultados são conhecidos.

A nossa população já não é tão jovem. O crescimento vegetativo caiu. A força de trabalho não cresce tanto a cada ano. O fluxo migratório da cidade para o campo também diminuiu e os ganhos de produtividade assim obtidos desapareceram. Escolarizamos mais. Isso, porém, não favoreceu a produtividade. Continuamos carentes de pessoal qualificado. As vantagens comparativas lembradas por Gudin, porém, estão salvando a situação. Somos o celeiro do mundo. É difícil evitar a desindustrialização quando as vantagens comparativas apontam em outra direção. Não convém, todavia, sermos um fazendão. Não era o que propunha Gudin.

Agora temos recursos energéticos. A parcela qualificada da população, a Bélgica da “Belíndia”, permite a formação de núcleos de desenvolvimento industrial. As dificuldades hoje são outras. Cem milhões de ações judiciais são atestado de sociedade querelante. As relações sociais foram superlativamente judicializadas. A reforma trabalhista não afastou dos investidores o temor da insegurança jurídica. O manicômio tributário espanta. A governabilidade é duvidosa, com dezenas de partidos; “parlaprismo” (Delfim Neto, ao tempo da constituinte, disse: o presidencialismo ou o parlamentarismo podem funcionar, não a mistura dos dois); e com o governo dos onze supremos, conforme Felipe Recondo e Luiz Weber, na obra “Os onze”, legislando e executando. A pandemia é a cereja do bolo. Completou o quadro da nau dos insensatos, alegoria usada por Platão (428/427a.C.– 348/347a.C.), livro VI de A República, referente a uma embarcação com tripulação disfuncional.

Fortaleza, 27/2/21.

Rui Martinho Rodrigues.



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