AS
FERROVIAS
Mudanças
dificilmente representam rupturas radicais. Convivem com permanências. Ferrovias
constituíram um marco histórico importante. Fizeram parte das características
da segunda Revolução Industrial, no âmbito dos transportes. O motor de combustão
interna deu impulso ao transporte rodoviário. A abertura de canais interligando
rios e até oceanos e a construção de eclusas que permitiram a navegação vencer
obstáculos como cachoeiras potencializaram o transporte marítimo e fluvial. A
aviação seduziu as pessoas no transporte nas médias e longas distâncias. Mas as
ferrovias continuaram respondendo por grande parcela da movimentação de cargas
e de pessoal.
A vantagem das rodovias é receber e
entregar na porta. Mas as longas distância diluem o custo do frete da origem
para a estação e da estação para o destino. O Brasil, com grande território, é
um convite aos trens. Grandes cidades ensejam o transporte de grandes volumes
entre elas. Isso também temos. Minérios, grãos e outras cargas pesadas e volumosas
tornam viável as ferrovias. Antes do crescimento do transporte rodoviário
tivemos o domínio da navegação de cabotagem. Frei Vicente de Salvador (Vicente
Rodrigues, 1564 – 1638), disse, nos primórdios da colonização, que vivíamos
agarrados ao litoral, como caranguejos. Até hoje as nossas principais cidades
são próximas do litoral.
A
nossa marinha mercante perdeu dezenas de navios na Segunda Guerra Mundial. A
navegação foi duramente atingida. O governo Vargas iniciou um esforço de
construção de rodovias. A marinha mercante não se recuperou das perdas. O
caminhão passou a reinar. Ferrovias foram negligenciadas. O choque do petróleo
não nos despertou para a necessidade de investir em ferrovias ou no transporte
marítimo e fluvial.
Teorias
conspiratórias diziam que assim o era por influência de grandes empresas
multinacionais petrolíferas e fabricantes de caminhões. As forças políticas que
criticavam o abandono das ferrovias chegaram ao poder e o exerceram durante
muito tempo com o apoio de ampla base parlamentar, obtida por meios bastante
persuasivos. O modal ferroviário continuou abandonado. A ferrovia norte-sul,
iniciada no governo Sarney, só agora está sendo concluída. A navegação de
cabotagem não teve melhor atenção. Tampouco as hidrovias receberam os investimentos
que merecem.
Como
a vida é paradoxal, agora, quando estamos atravessando grave recessão e a
legislação ambiental é mais rigorosa, estamos vendo a conclusão da ferrovia
retrocitada e a Ferrovia de Integração Oeste Leste avança celeremente. A cabotagem
está sendo objeto de iniciativas que poderão revigorá-la e o modal rodoviário
continua a merecer investimentos. As pontes rodoviárias sobre o Jaguaribe, em
Aracati, que estava em obras desde o século passado, ficou pronta sem novos
aditivos. O mesmo se deu com a ponte sobre o S. Francisco, na Br-101, obra
igualmente maior de vinte anos. Simultaneamente a maior ponte ferroviária do
continente teve início e conclusão em menos de dois anos, sobre o S. Francisco,
parte das obras da Ferrovia Oeste leste.
A
vida é um sistema de vasos comunicantes. O setor financeiro, onde os juros mais
baixos da série histórica proporcionaram, em 2020, uma economia de cem bilhões
de reais ao erário, terão contribuído para o salto observado no setor de
transportes? O impacto das condenações de políticos de alto coturno e grandes
empresários das empreiteiras seria outro fator favorável ao inesperado
desempenho do setor que durante tantos anos andou tão mal?
Fortaleza,
6/3/21.
Rui
Martinho Rodrigues.
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