O
OUTRO COMO ABSTRAÇÃO
O
iluminismo foi um movimento intelectual e político que no século XVIII queria
produzir um conhecimento humanístico consistente, como a Física da Revolução
científica do séc. XVII. Queria fazer previsões tão confiáveis quanto as que
antecipam a passagem de cometas, o resultado de reações químicas e demais
vaticínios das ciências da natureza. Queria acatamento. Reivindicava o status
de autoridade. Eram intelectuais do tipo ungido. Os chamados déspotas
esclarecidos deixaram-se embair pelos iluministas e os acolheram em seus
castelos, dando ouvidos aos seus conselhos. François-Marie Arouet (1694 – 1778)
e Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778) são exemplos disso, tendo sido hospedados
e patrocínados por nobres e reis.
Os
iluministas citados escreviam com grande beleza. Não com rigor científico da
Física do pretendido argumento de autoridade. Presumiam-se superiores
intelectual e moralmente. Paul Bede Johnson (1928 – vivo), na obra “Os
intelectuais”, desnuda retalhos biográficos de alguns dos mais renomados
pensadores, mostrando que não havia entre eles superioridade moral. Thomas Sowell
(1930 – vivo), na obra “Os intelectuais e a sociedade”, descreve a atitude dos
intelectuais ungidos nas vésperas da IIGM. Alunos da Universidde de Oxford
comprometeram-se publicamente a não lutar pela defesa do seu país, no chamado
juramento de Oxford. Amavam o outro abstrato. Estudantes podem não ser
intelectuais, mas expressavam a atmosfera intelectual da universidade citada.
Sowell ressalta que Bertrand Arthur William Russel (1872 – 1970) defendia o
desarmamento do Reino Unido. Assim ninguém (Hitler) teria motivos para temer e
atacar os britânicos. Amor pelo outro abstrato.
Intelectuais
ungidos amam abstrações. A presunção iluminista de esclarecimento não tem
fundamento na realidade. Críticos das tradições declaram amor surpreendente a
valores tradicionais como solidariedade e amor ao próximo, cujas origens passam
longe do secularismo cientificista, evidenciando as raízes confessionais das religiões
civis. Não amam, todavia, o próximo, mas o distante, envolto nas nuvens de suas
abstrações e devaneios, fáceis de amar, que não nos contrariam, não representam
ônus para nós. Amamos ao longe as criancinhas vitimadas pela guerra na Síria e
amamos a concretude dos cachorros submissos e incondicionalmente leais.
O próximo não se confunde com a distante abstração.
É o chefe, subordinado, cônjuge, filho, guarda do trânsito que interagem
conosco de perto ou não se chamaria próximo. O narcisismo confundido com virtude
procura vítimas e vilões ou não haverá heroí nem salvador. Tomar arbustos por
dozelas agredidas e moinhos de vento por vilões enseja heroísmo. Basta fechar
os olhos para a realidade. A crítica social passa ao largo de todos os
indicadores objetivos que evidenciam a enorme melhoria das condições de vida
nos últimos cem anos. Mortalidade infantil e esperança de vida, anos de
escolaridade e analfabetismo, acesso aos bens que proporcionam conforto, com
eletrodomésticos, que se tornaram populares. José Guilherme Merquior (1941 –
1991), na obra “O argumento liberal”, ressalta que um operário qualificado hoje
vive melhor do que vivia um rei na Idade Média. Não olhamos para isso, mas para
a pobreza comparada. Nos mesmo cem anos de grande melhoria das condições de
vida houve grande concentração de renda, que varremos para debaixo do tapete da
História para não perdermos a nossa Dulcinéia, com licença de Miguel de Cervantes
Saavedra (1547 – 1616).
Fortaleza, 7/1/2020.
Rui Martinho Rodrigues.
Nenhum comentário:
Postar um comentário