Literatura
Antes de
tudo, um forte
Há 150 anos nascia o escritor Euclides da Cunha,
imortalizado pela publicação do clássico "Os Sertões"
00:00 · 20.01.2016 por Roberta Souza - Repórter
Poucos deram uma definição tão precisa e tão
reproduzida sobre o sertanejo como o escritor Euclides da Cunha. Filho do
município de Cantagalo, no estado do Rio de Janeiro, ele entregou em "Os
Sertões" uma das obras mais importantes da literatura nacional e garantiu,
com isso, que seu nome fosse eternizado. Hoje, exatamente 150 anos depois de
seu nascimento, datado de 20 de janeiro de 1866, suas palavras continuam
atuais, repercutindo direta ou indiretamente entre aqueles que vivem e
pesquisam o sertão.
Assim como outros tantos de sua época, Euclides
acumulou diversos ofícios e qualificações. Com os títulos de engenheiro,
militar, físico, naturalista, jornalista, geólogo, geógrafo, botânico, zoólogo,
hidrógrafo, historiador, sociólogo, professor, filósofo, poeta, romancista,
ensaísta e escritor, ele dificilmente passaria despercebido. Sendo assim,
percebido se fez.
Órfão de mãe desde os três anos, cedo ele passou a
viver na casa de parentes. Ingressou em 1883 no Colégio Aquino, onde foi aluno
de Benjamin Constant, professor que muito influenciou a sua formação,
introduzindo-lhe à filosofia positivista. Mais tarde ainda voltou a ser aluno
de Constant, na Escola Militar da Praia Vermelha, contagiando-se com o ardor
republicano dos cadetes.
Mas foram seus textos que, aos poucos, lhe renderam
oportunidades e reconhecimento. Durante a fase inicial da Guerra de Canudos,
Euclides escreveu dois artigos intitulados "A nossa Vendeia" que lhe
valeram um convite do jornal O Estado de S. Paulo para presenciar o final do
conflito como correspondente de guerra.
Como muitos republicanos da época, ele considerava
que o movimento de Antônio Conselheiro tinha a pretensão de restaurar a
monarquia e era apoiado por monarquistas residentes no País e no exterior. Ali,
começava embrionariamente a experiência que lhe renderia o livro "Os Sertões".
Processo
Quatro dias antes do fim da guerra, Euclides deixou
a região, não chegando a presenciar a desfecho do conflito. Mas, nesse período,
conseguiu reunir material suficiente para elaborar "Os Sertões: campanha
de Canudos" (1902), obra que trata do confronto entre o Exército
Brasileiro e os integrantes de um movimento popular de fundo sócio-religioso
liderado por Antônio Conselheiro, que durou de 1896 a 1897, na comunidade de
Canudos, no interior da Bahia.
O livro foi escrito no período de cinco anos, enquanto
o autor também liderava a construção de uma ponte metálica em São José do Rio
Pardo, cidade que anualmente lhe homenageia com uma "Semana
Euclidiana" realizada na Casa de Cultura Euclides da Cunha, onde ele morou
no período.
O contato direto do escritor com o conflito no
Nordeste o fez romper com as ideias anteriores e pré-concebidas dele. In loco,
ele viu um fenômeno complexo, diferente da interpretação de Canudos como uma
tentativa de restauração da monarquia, comandada à distância pelos simpatizantes
da causa. Euclides se tornou internacionalmente famoso com a publicação da
obra, que lhe valeu vagas para a Academia Brasileira de Letras (ABL) e para o
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).
Dividido em três partes - A terra, O homem e A luta
- o livro traz uma análise, respectivamente, das características geológicas,
botânicas, zoológicas e hidrográficas da região; a vida, os costumes e a
religiosidade sertaneja; e, enfim, narra os fatos ocorridos nas quatro
expedições enviadas ao arraial liderado por Antônio Conselheiro.
Contribuições
O vocabulário denso de "Os Sertões"
muitas vezes afasta leitores em potencial, mas a dica, segundo o professor da
Universidade de Fortaleza e membro da Academia Cearense de Letras (ACL),
Batista de Lima, é ler o clássico de trás para frente. "Primeiro a luta,
que nos leva a conhecer o homem (parte antropológica) e depois provoca o
interesse para ver a terra onde esse homem nasceu e morreu. É a melhor
leitura", acredita.
Batista observa ainda que, mesmo sendo "Os
Sertões" uma referência na literatura nacional, o livro deixa uma lacuna:
"Euclides estava do lado dos que estavam invadindo, então ele tem a visão
do vencedor. Mesmo sendo uma visão real, mas ainda não há uma obra escrita de
dentro pra fora, trazendo o ponto de vista dos vencidos", explica.
Contudo, a contribuição do autor é inegável.
"Euclides descobriu que somos fortes antes de nós. Ninguém tinha escrito
até então nada tão importante sobre o Nordeste como ele. Só depois dele é que
grandes obras vieram", ressalta Batista. Para o professor, a seca e o
fanatismo retratados na obra inspiraram outros escritores importantes, tais
como José Lins do Rêgo, Jorge Amado, Graciliano Ramos e Raquel de Queiroz.
Morto em 1909, após uma troca de tiros com o amante
de sua esposa, Anna de Assis, Euclides continuou presente por meio de suas
palavras.
Acervo
A Biblioteca de Acervos Especiais da Unifor tem uma
coleção que tem por eixo a obra "Os Sertões". São 118 edições do
livro (cobrindo um período que vai de 1902, ano da primeira, até 2011). Trinta
delas estrangeiras. Há ainda outros livros do autor, como o diário que manteve
durante a campanha na Bahia; e títulos brasileiros e estrangeiros, ficcionais e
historiográficos, em torno do conflito Canudos.
Nesta coleção, há ainda um conjunto de obras
dedicado ao Conselheiro, personagem histórico que instigou a curiosidade de
contemporâneos do autor de "Os Sertões" e até, décadas mais tarde, do
prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa, que romanceou o episódio em
"A Guerra do Fim do Mundo" (1981).
A Biblioteca recebe vistas de pesquisadores, que
podem ser agendadas por telefone (85) 3477-3823 ou por email
(acervosespeciais@unifor.Br). O local, situado no 1º andar do prédio da
reitoria da Unifor, fica aberto das 9h às 11h30 e das 14h às 17h30, de terça a
sexta-feira; e das 9h às 13h, no sábado
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