Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

O carnaval do Adolfo

O carnaval do Adolfo
 
Após incessantes pedidos, Adolfo, finalmente e a contragosto, aceita acompanhar os seus dois filhos e amigos destes, ao carnaval, em Morro Branco.
Sexta-feira que antecede ao Sábado de carnaval foi com os filhos ao supermercado fazer as compras de praxe: cervejas, Vodcas, cachaças, refrigerantes, pães, linguiças, e outras iguarias conhecidas das festas carnavalescas.
Na interminável e morosa fila do caixa lá se encontrava Adolfo e seus filhos com o carrinho superabundado de bebidas e comidas. A fila não andava.  Adolfo coçava e abaixava a cabeça, respirava fundo e não chegava a sua vez.  Murmurava baixinho sobre a encrenca que entrara.   Descansava uma perna, depois a outra.
No carrinho da frente, jovens descontraídos e às gargalhadas ensaiavam os dias de descontração que se aproximara. De repente surgiu  mais dois jovens com um outro carrinho cheio de petiscos e bebidas.
__ Dá licença Tio?
__ O que? Diz Adolfo.
__ Somos da mesma turma tio.
__ Estou na fila há 40 minutos e vem vocês tomar a minha frente? Não consinto.
Gerou um início de confusão quando um dos jovens, insensível, dirige-se ao Adolfo: Tio: o teu lugar é em casa ou naquela fila. Referia-se a fila preferencial.
O quê? Falou um dos filhos do Adolfo. Está chamando o meu pai de velho?
O tumulto tomou outra conotação e, se não fora os seguranças, Adolfo e os seus desafetos travariam um tremendo quebra-pau entre as gôndolas daquele supermercado lotado.
De volta para casa, Adolfo, cansado e irritado se dirige aos filhos: “Esse carnaval não vai dá certo”. Mas já não podia retroceder. Seguiu em frente.
Sábado, a família alegre e ele fechado rumaram para a praia de Morro Branco.
Após quatro horas de viagem, duas delas de um intenso engarrafamento, chegam, por fim, à casa que fora alugada. Era grande e confortável, sim, mas para abrigar o casal Adolfo e vinte jovens tornara-se pequena e muito desconfortável.
Depois das bagagens retiradas Adolfo se dirige a Filó e pergunta aonde vai se instalar naquele tumulto desordenado de sacolas, redes e colchões.
__ Só um pouquinho, meu bem. Primeiro as “crianças”. Respondeu ela.
Adolfo ruborizou-se, mas se conteve. Aliás, estava num campo que não era o seu.
Depois de mais ou menos organizada a casa, Filó si dirige ao marido.
__ O que você falou meu bem?
__ Filó, eu quero saber onde vou ficar nessa...
 __ Calma, Adolfo. Nos quartos vão ficar as mulheres. Você prefere a cozinha ou o alpendre?
Adolfo, calado, armou a sua rede no alpendre.
Os jovens, incontinenti, instalaram o som de um dos carros na mais alta sintonia e iniciaram a festa com bebida, maisena, colorau, banho etc. Era o carnaval.
Adolfo insensível buscava na sua rede um cochilo, mas os jovens não o deixavam sequer fechar os olhos. Gritavam, cantavam, bebiam.  
À noite era o mesmo ritual. Jovens chegando e saindo. Aqui e acolá um convite em vão: Tio Adolfo, vem tomar uma com a gente? Não o respondia. Queria, na verdade, dormir.
Transcorria o carnaval alegre e rapidamente para os jovens enquanto para Adolfo era infinito. Sonhava com o aconchego da sua casa.
Entretanto, no último dia, Adolfo não se conteve, e, ao ouvir velhos sucessos dos anos marcantes da sua mocidade, iniciou o seu próprio carnaval comendo e bebendo descontroladamente.
No início da noite já se encontrava capotado, não se importando para o  som ou algazarra. Roncava à toa.
Na madrugada, acordou e começou a sentir o efeito da bebida, mas, principalmente, da feijoada e tira-gostos em excesso. Pensou em ir ao banheiro, mas percebeu da dificuldade em lá chegar em razão do escuro e das dezenas de colchões espalhados pelos alpendres e salas.  Consultou o seu intestino se dá para aguentar até o início da manhã. Não dá. Tem que ir ao banheiro urgente.
Trôpego, levanta-se e com os braços na horizontal buscando o equilíbrio exigido iniciou os primeiros passos rumo ao tão desejado banheiro.  Os músculos anais não permitiam a elasticidade das pernas. Exigia os passos curtos e selados, caso contrário poderia ocorrer uma catástrofe intestinal nesse percurso.
Adolfo suava e a cada passo dado aumentava o desejo e a ansiedade. Por fim, encontrou a parede que dá acesso ao banheiro e seguiu até a porta desejada. Entrou, fechou e procurou o interruptor. Pra que. Não tinha energia. Adolfo continuou tateando  o braço pela parede a procura do bidê. Satisfez-se a sua maneira. Nem em pé, nem sentado. O banheiro estava imundo. Não podia encontrar o banheiro limpo com dezenas de jovens descompromissados com a limpeza.  Água?  Cedo da noite a caixa havia secado.  Rolo de papel? Apenas o canudo de papelão.
Adolfo sai do banheiro, assim como entrou. Às escuras e sem a higiene exigida, mas aliviado e agora mais rápido, com os passos mais largos e sem as exigências dos músculos anais.
Chegou, por fim, à sua rede. Leve, mas desconfortado e desconfiado. Ao surgir a manhã dirigiu-se para a janela onde se encontrava a sua esposa.
___ Filó... Filó
___ O que é Adolfo? Tu ainda tá bebendo?
___  Me dá uma toalha e uma bermuda, Filó.
Estava no pátio da casa se asseando quando entra a última leva de jovens.
__ E aí tio Adolfo ainda está acordado? Vamos tomar a saideira?
Adolfo vira-se, coloca as mãos entre as pernas e diz:
“Tá qui pra vocês e pru carnaval”.
Abilio, 7 nov 2014

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“A mentira contada reiteradas vezes, torna-se, para o mentiroso, verdade”.
 
 

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