Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

terça-feira, 29 de outubro de 2013

O VOO DA GALINHA

THE ECONOMIST SOBRE O BRASIL:

O VOO DA GALINHA


O voo da galinha
segundocaderno@oglobo.com.br

A extensa reportagem da revista inglesa "The Economist" sobre o Brasil devia servir como um programa de governo para a presidenta Dilma. A revista é reconhecidamente a melhor do mundo em seriedade e profundidade de informação.

No entanto, nossa raivosa e arrogante Chefa considerou a matéria uma espécie de "oposição" à sua administração cada vez mais "bolivariana": "A revista está mal informada etc." e repetiu os slogans que seus assessores petistas lhe sopram.

É tão impressionante isso tudo. O tom geral da matéria deplora, lamenta que o Brasil, com todas as condições para uma decolagem, um "take off", esteja jogando tudo para o alto, tanto pelo olho nas eleições quanto pela teimosia ideológica de enfiar o país dentro de um programa arcaico e inútil.

Claro que os governistas acusarão a revista de "imperialista", de "neoliberal", de estar do lado das "grandes corporações" - o mesmo uso que fizeram sobre a espionagem americana na Petrobras (será que descobriram por que a Petrobras comprou uma refinaria no Texas por 1 bilhão e duzentos milhões de dólares que não consegue vender nem por 100 milhões?).

Essa gente que está no poder bota sempre a culpa de nossa indigência em alguém de fora. Nosso amigo e líder Nicolas Maduro, da Venezuela, disse que a falta de papel higiênico, de comida e de energia é tudo culpa do Estados Unidos. Seguimos sua linha.

Aliás, preparem-se para uma eventual reeleição da Dilma que, ao que tudo indica, vai partir para o "bolivarianismo" explícito, como já declara o site do PT.

Será que a nova Dilma vai se "cristinizar" para a construção do "socialismo imaginário" que justificou o "mensalão"?

Na realidade, a revista, em seu artigo chamado "Será que o Brasil se detonou?", praticamente só faz perguntas.

"Por quê?" - pergunta a revista o tempo todo.

Por que, entre os países emergentes, nós temos o pior desempenho? Terá sido apenas um voo de galinha ( chicken flight ?), pois aproveitamos muito mal a enxurrada de dinheiro que entrou aqui nos últimos anos? Por quê?

Por que o governo não ataca os problemas principais, enunciados por qualquer economista sério do mundo, e se detém em remédios demagógicos, como buscar médicos medíocres em Cuba para fazer propaganda socialista nas cidades pobres, como o ridículo trem-bala, como os estádios bilionários para a Copa, que até nosso povo "futeboleiro" condenou nas manifestações?

Por que o famoso PAC, com seu "desenvolvimentismo tardio", não consegue terminar nem 20% das obras propostas?

Por que o governo não consegue privatizar (opa: "fazer concessões") nem rodovias, nem ferrovias, nem aeroportos, sem errar várias vezes, sem conseguir redigir contratos decentes, atraentes?

Por que o Rio São Francisco continua parado, com grandes regos secos que o Exército fez?

Por que não explicam à população as causas dos atrasos, em vez de gastarem bilhões em propaganda enganosa?

Por que o número de carros dobrou em dez anos e as estradas continuam podres e paralisadas?

Por que a China acaba de cancelar a compra de 2 milhões de toneladas de soja por causa da dificuldade do "gargalo Brasil"? Por que a maior produção de soja no mundo fica na fila infinita de caminhões porque não há silos, detidos pela burocracia mais atrasada do planeta?

Por que a inflação pode se descontrolar de novo?

Por que contrataram mais de 100 mil pelegos para boquinhas no governo, em vez de cortar custos da atividade-meio?

Por que estimular o consumo, sem estimular o aumento da oferta?

Por que os preços no Brasil são o dobro de qualquer país do mundo, sendo que o chamado "Big Mac Index", a ferramenta de comparação de preços, mostra que nosso Big Mac é 72% mais caro que em qualquer lugar e carros custam 45% mais caro que no México, nos EUA? "

Ah... porque a carga tributária é de 36% do PIB e nos outros países semelhantes não passa de 21%".

Então, por que não lutar por uma reforma tributária profunda, em vez de jogadas periódicas premiando uma ou outra atividade? Por quê? "Ah, porque é muito difícil passar no Legislativo..."

Mas, por que não usar toda a força da maioria que tem para isso?

Por que a agroindústria, tão esquecida pelo governo (que gosta mais do MST), salva-nos todo ano com sua lucratividade? Será que vai bem justamente porque o governo não se meteu?

Por que o SUS é a porta do inferno?

Por que a educação-zero está impedindo a produção nacional, sem mão de obra para nada? Por que temos o recorde mundial de analfabetismo funcional?

Por que será que os investidores internacionais têm medo de vir para cá, ultimamente? Será que é porque eles sabem que nós mudamos regras, não respeitamos contratos nem marcos regulatórios e porque nós queremos lhes enfiar o Estado goela abaixo?

Por que será que, de todo o dinheiro arrecadado para as aposentadorias no país, 50% são para pagar apenas 20% dos aposentados (setor público, claro), enquanto a outra metade é para pagar os 80% restantes? Por que somente 1,5% do PIB é investido em infraestrutura, quando no resto do mundo são por volta de 4%? Por quê?

Nossa infraestrutura é a 114ª pior entre 148 países. Ou seja, continuamos sob "anestesia mas sem cirurgia" (Simonsen). Por quê?

Talvez a resposta esteja em Platão e sua carroça. Ele disse que é dificílimo guiar um carro com dois cavalos diferentes - um bom marchador e outro manco e lento. É nosso destino, em um governo dividido entre o "bolivarianismo" e as necessidades óbvias, reais do país.

Ao contrário do que proclamam, o óbvio pragmatismo administrativo não é "de direita" não, e seria bom para o crescimento e para reduzir a desigualdade.

A matéria da "The Economist" tem a boa intenção de nos acordar para a racionalidade; não quer nos destruir, não é da "oposição".

A reportagem da revista, que é lida no mundo inteiro, serve para nos lembrar da famosa frase de Ronald Reagan (sim, o reacionário) - perfeita para nos definir: "O Estado não é a solução; o Estado é o problema."
Ah, sim; a revista esqueceu de mencionar uma importante força da natureza que nos impele para o erro: a muito esquecida categoria política da... burrice.



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