O CAVALO BRANCO
Edilson Borges
Era um lugarejo largado a beira de um rio, seus inocentes habitantes viviam de disparates, tudo ali refletia uma irrealidade mal percebida pelo povo desde quando um novo rei subiu ao trono. O populacho repentinamente viveu um estado de êxtase coletivo. Tiveram depois de muitos anos suas necessidades materiais preenchidas pelo novo monarca que distribuía sorrisos e deixava uma claque embevecida a sua passagem. Não havia mais fome e as pessoas dançavam ao som da música, as calçadas sempre cheias de álcool, risadas, alegria, barulhos e ociosidade acompanhada de violões, tambores e instrumentos da moda. O novo rei permitia que o povo dançasse nas ruas, vielas, enquanto ele sempre maquinava outras maneiras de diversões desde que não prestassem atenção em seus atos, o novo rei era amigo do povo, mas tinha um objetivo oculto: queria viver eternamente no trono. Então o levava para onde quer que fosse, aparecia no teatro sempre no seu trono, levava-os as ruas, as reuniões ministeriais, aos eventos públicos, e com o passar do tempo se apegou tanto a ele que tinha um zelo fanático, limpava-o, zelava-o, beijava e passava a mão. As pessoas não prestavam atenção na sua poltrona, e ele estranhamente se deliciava com isso, era um trono mágico, somente o rei podia sentar, ou então quem ele desejasse, outra pessoa não, houve uma vez um estranho que se aproximou dele e morreu inexplicavelmente, o povo sabia disso mas a música, os espetáculos teatrais, circos mambembes, farândolas, não deixavam as pessoas se ligarem muito nisso não, que morram, hoje tem espetáculo, enterrem o defunto e que o bom rei fique na sua poltrona, ele merece.
O dinheiro circulante era o cavalo, havia pessoas com muitos cavalos, outros com pouco, mas o poder se media por a quantidade de cavalos que possuíam, era grande a qualidade de cavalos, alguns eram malhados, outros marrons, e os arreios eram distribuídos gratuitamente pelo caridoso rei, eram de cores vistosas e exibiam no uns aos outros, tudo isso graças ao rei com sua bondade.
Mas o rei tinha um desejo oculto, e o segredo somente era compartilhado com os seus ministros: queria que todos os habitantes tivessem o mesmo número de cavalos, ou mesmo que não tivessem nenhum, portanto que fossem iguais, achava injusto que algumas pessoas fossem proprietárias de um maior número de cavalos, e outras não, era o seu sonho, contava para realiza-lo com a seu trono que não partilhava com ninguém, tinha todo o planejamento, mas para concretizar tinha que distrair o povo.
Convocou para a praça um grande espetáculo, o maior de todos, um grande teatro ao ar livre, peças diárias que eram apresentadas noturnamente capítulo a capítulo, o enredo era um drama de um amor impossível entre um mocinho e uma jovem freira, a estória era entremeada de encontros e desencontros entre os dois principais protagonistas, o herói sempre se apresentava montado em um cavalo branco que chamava a atenção por seu porte majestoso, sua crina branca e os arreios prateados, com pouco tempo não se falava em outra coisa no povoado, o vigor do mocinho, sua maneira de montar o cavalo, o pai da jovem que não aceitava o romance as tentativas inúteis de assassina-lo, o mocinho sempre escapava das ciladas com seu cavalo branco, a mocinha sonhadora que sofria entre a carreira e o seu amado, o povo comia e dormia pensando no próximo capítulo, e o rei no seu íntimo tinha toda a satisfação.
Mas havia uma exceção entre seus habitantes, era um homem estranho que morava afastado do lugar, era o único que não assistia ao espetáculo, seus cavalos não tinham arreios vistosos, não era um homem atualizado com o seu tempo, vivia despercebido, tinha poucos amigos e era um ser que ninguém notava, sua vestimenta era simples assim como suas montarias, passava a maior parte do tempo acompanhando os passos do rei, analisando seus atos e ultimamente quase não tirava os olhos do seu trono, seguia seus passos com seus olhos e algumas vezes se irritava facilmente com trivialidades do monarca, comentava seus atos mas quase ninguém lhe prestava atenção, todos lhe viravam a cara e iam assistir ao espetáculo noturno.
O mocinho agora estava no auge, a cada aparição os aplausos eram redobrados, o seu corcel agora brilhava em sua cor branca, era invencível, ninguém tinha mais brilho do que ele, o teatro não podia mais parar, as apostas no outro dia eram constantes em relação ao próximo espetáculo, mas o rei agora tinha outra mania. Queria desarmar a população, era uma meta fácil de ser alcançada, o povo somente tinha olho para o teatro, em um mês toda a população, com exceção do homem estranho, tinha entregue todas as armas, afinal o rei merecia ser atendido.
Então o rei um dia foi dormir mais cedo que de costume, acordou cedo e chamou o seu melhor vassalo, a fera ia ser desperta. Dormia em uma grande caverna em uma longa hibernação. O sono perturbado e a fome o tornaria uma catástrofe, o grande dragão, como o rei também tinha suas esquisitices, em seu cardápio preferia os cavalos, os brancos de preferência, por ser míope, a algazarra foi grande, o cheiro de carne queimada tomava conta do ambiente, o lugarejo virou um pandemônio, a população assistia impotente a dilapidação dos seus bens, o homem estranho ouviu de longe o som da catástrofe, ouviu os passos da fera se aproximando, sentiu seu bafio, seus cavalos não lhe chamaram a atenção, a fera foi embora deixando o povoado, com apenas os cavalos reais. O rei tinha conseguido seu objetivo: agora todos eram iguais.
O homem estranho resolveu deixar o povoado, levou toda a sua tropa consigo, foi morar em um lugar mais distante, lá o rei não era tão querido, mas o povo não tinha os cavalos com arreios tão bonitos, as pessoas souberam do ocorrido, lhe faziam perguntas, ele respondeu que todos os cavalos dos habitantes haviam sido mortos.
- Mas como? A fera não só comia cavalos brancos?
-Ora- respondeu o homem- Todos haviam pintado seus cavalos de branco, povo burro!
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