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Vicente Alencar

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Ataque do governo a Yoani Sánchez é para atender às viúvas da revolução


MONICA JABUTI 
Escritora

Posted: 20 Feb 2013 07:15 PM PST
A participação de um funcionário do governo federal na elaboração do dossiê difamatório contra a blogueira Yoani Sánchez (dossiê que será distribuído por petistas) pode parecer, à primeira vista, um reflexo do histórico alinhamento ideológico do PT ao socialismo e de sua incapacidade de rever velhos dogmas. Mas não é bem assim. A primeira grande lição a tirar do estelionato eleitoral iniciado com a chegada de Lula ao poder é que, ao contrário do que se pensava até então, o PT sempre foi bem menos ideológico do que parecia. 

Certo, os militantes do PT oriundos de partidos comunistas e organizações terroristas, bem como do movimento estudantil e da intelectualidade de esquerda, sempre foram fortemente ideológicos. Todavia, o que ficou claro com a chegada do PT ao poder é que a ala hegemônica dentro do partido é mesmo a ala sindical, da qual proveio Lula, o maior líder do partido, e também gente como Luiz Gushiken, Delúbio Soares, Silvinho Pereira, Waldomiro Diniz, Vicentinho e Luiz Marinho, entre tantas outras figuras de proa do petismo. E os integrantes dessa ala nunca foram movidos por ideologias, pois enxergam na política partidária uma extensão da política sindical, isto é, um meio de subir na vida ocupando cargos nas estruturas burocráticas do partido, dos sindicatos e dos governos conquistados pela legenda. A farta distribuição de empregos públicos federais para sindicalistas, ocorrida após a vitória de Lula, é uma demonstração bastante eloquente disso. Assim, nem surpreende a cara de pau com que Lula jogou no lixo tudo o que ele e seu partido defenderam durante vinte anos para dar continuidade ao que já vinha dos anos FHC: os discursos de Lula, que sempre primaram pela demagogia populista e pelo simplismo falseador, nunca tiveram lastro em convicções ideológicas verdadeiras.

De outro lado, a capacidade da ala sindical para impor o continuísmo foi ainda reforçada pela profunda crise teórica e prática das esquerdas nas últimas décadas, que transformou os setores ideológicos do PT. Fracassou a utopia socialista, fracassaram as propostas de reforma do capitalismo periférico pela via "nacional popular" e naufragaram as tentativas de gerir as variáveis macroeconômicas pelo caminho heterodoxo - só a Argentina continua a insistir seriamente nisso, com resultados que fazem o país retroceder aos anos 1980. Gente como Zé Dirceu e Genoino soube preservar o velho discurso da "ruptura com o modelo vigente" mesmo sabendo que esse palavrório não chegaria jamais a se traduzir em políticas públicas. Aqueles que ainda acreditavam no que diziam, tais como Heloisa Helena, Chico de Oliveira, Babá e Plínio de Arruda Sampaio, acabaram deixando o partido. Já aqueles intelectuais, militantes e eleitores que, embora com perfil ideológico de esquerda, insistem em permanecer alinhados com o partido, agem como verdadeiras viúvas da revolução socialista: mandam a coerência às favas e se agarram a qualquer aparente demonstração de coerência ideológica que os governos do PT possam produzir para usarem como justificativa de sua opção partidária.

Nesse contexto, o PT partidarizou a política externa brasileira no intuito de transformar nossa diplomacia numa peça de propaganda destinada a atender às expectativas dessas viúvas da revolução e dos eleitores ideológicos do partido. Já tive oportunidade de tratar disso num texto que abordava a crise diplomática ocorrida quando da expropriação de duas refinarias da Petrobras pelo governo de Evo Morales, o qual pode ser baixado aqui. Abaixo, destaco uma passagem desse trabalho:
Em conclusão, vê-se que o governo do PT revelou-se mais uma evidência clara da crise teórica e política das esquerdas, e é isso que explica sua recusa a recorrer a uma arbitragem internacional para defender os interesses da Petrobras frente à expropriação praticada pelo governo boliviano. Morales e Lula são igualmente reféns das expectativas nacionalistas que eles e seus respectivos partidos socialistas nutriram para conquistar o poder, pois enquanto o primeiro precisa impor perdas econômicas às empresas estrangeiras para acalmar o clamor das ruas, Lula tem de assistir a essas investidas passivamente para poder posar de líder regional e pai dos pobres da América Latina, de modo a criar a ilusão de que, ao menos na política externa, seu governo estaria sendo coerente com as bandeiras históricas da esquerda e do seu partido – e em que pesem as contradições e os fracassos colhidos mesmo nessa área, conforme visto.
E é aí mesmo que entram os ataques contra Yoani Sánchez. O apoio diplomático dos governos do PT a todos os ditadores de esquerda e/ou anti-americanistas não traz consequências práticas no campo econômico e social, mas serve como um gesto simbólico que visa atender às expectativas das viúvas da revolução e dos setores ideológicos do eleitorado desse partido. Trata-se muito pouco de apego a velhas bandeiras ideológicas e muito mais de uma estratégia auxiliar da política externa petista, a qual é anti-republicana por estar a serviço não dos interesses do Estado, mas dos interesses do partido no poder. Ou, falando português bem claro, trata-se de uma estratégia auxiliar da "diplomacia da canalhice", como bem qualifica Augusto Nunes.

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