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e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

segunda-feira, 20 de março de 2023

OS CICLOS DAS CIVILIZAÇÕES - Fortaleza, 15/3/23. Rui Martinho Rodrigues.

 

OS CICLOS DAS CIVILIZAÇÕES

As civilizações nascem, crescem, fenecem conforme Arnold J. Toynbee (1889 – 1975), que estudou inúmeras destas formações históricas. Não é uma lei. Nas ciências da cultura não existe tal coisa. Elas não são nomológicas. Caso fossem nós não seríamos sujeitos da história. Toynbee apenas ressalta uma tendência e um fenômeno que não tem prazo definido e pode ser adiado ou revertido e nem é inevitável, como se pode constatar pela observação, com o auxílio de Clio e de Mnemosine.

Oswald A. G. Spengler (1880 – 1936) publicou, em 1918, uma obra com o título A decadência do Ocidente, antevendo o declínio da civilização ocidental. Era o momento do fim da I Guerra Mundial e o autor contemplava o mundo desde a Alemanha que acabava de sofrer uma dolorosa derrota e a influência do lugar e da época manifestou-se no pensamento de Spengler. Mas não deixa de ser um fato que as civilizações nascem, crescem e passam por graves momentos de decadência, embora possam ressurgir como uma fênix.

Os pelágios habitavam a região onde posteriormente se formaria a civilização grega. Evoluíram do período neolítico para a idade do bronze, desaparecendo depois, quando dominados pelos dórios, jônios e eólios vindos do Norte. O ciclo de Toynbee realizou-se neste caso aparentemente por fatores exógenos. Os romanos, aparentemente derrotados pelos bárbaros, entraram em declínio por fatores internos, tornando-se vulneráveis aos invasores bárbaros. Max Weber (Maximilian Karl Emil Weber, 1864 – 1920) atribuiu a decadência dos romanos a degradação da agricultura. Aristóteles (384 a.C.– 322 a.C.) elaborou uma tipologia de regimes políticos, descrevendo a tendência para degradação de cada um. A monarquia tem na tirania a sua expressão decadente; a aristocracia degenera em oligarquia e a democracia tem na demagogia a sua forma corrompida. A decadência romana está relacionada com o declínio da sociedade, da cultura e da desorientação axiológica.

Civilizações mais ricas e mais sofisticadas têm sido vencidas, dominadas e destruídas por povos mais rústicos e mais pobres, quando já estão corroídas por dentro. Os gregos foram dominados pelos romanos no período helenístico, quando a expansão do Império Macedônio exacerbou o cosmopolitismo dando origem ao relativismo que abalou os valores gregos. Foi no tempo dos sofistas que se deu a decadência. A coesão da sociedade guarda relação com os valores da cultura nacional. Não se trata do nacionalismo interessado em reserva de mercado, discriminação do estrangeiro ou do favorecimento do que não presta só por ser nacional.

A base axiológica é fator de coesão, faculta o entendimento, influencia o significado semântico impactando na cognição e na intelegibilidade do discurso. A comunicação fica comprometida quando a cultura fica dos valores que as palavras representam e passam a ter significados diversos e conflitantes, levando ao conflito interno.

Nada acontece na política sem que aconteça antes na literatura (Hugo L. A Hofmannstal, 1874 – 1929). A produção literária de utopias não tem novas obras. Só temos distopias como expressão literária, vaticínio ou diagnóstico de decadência. A linguagem passou a ser vista como um produto de conspiração da classe dominante para induzir submissão; as civilizações passaram a representar o domínio de poder ilegítimo e todas as configurações sociais passaram a ser vistas como opressivas, a universalidade do dimorfismo sexual, renomeado como “sociedade binária”, para esta é uma opressão multimilenar e universal.

Perdemos o contato com a realidade. Até o rigor epistemológico é visto como desculpa para a dominação das consciências pelo domínio cognitivo. A banalização dos mores trouxe solipsismo oculto sob o disfarce do discurso libertário cujos resultados são liberticida. A dissolução dos laços sociais da sociedade líquida descrita por Zygmunt Bauman (1925 – 2017) não encontrou solução nos grupos identitários. Estes servem para a guerra de todos contra todos mencionada por Thomas Hobbes quando se referiu ao estado de natureza.

O controle social era exercido pela sociedade com o protagonismo dos pais, dos parentes e dos mais velhos em geral, dos professores, e clérigos. Mas a fluidez dos valores destruiu a autoridade dos pais em nome do combate ao patriarcalismo. A autoridade dos mais velhos foi contestada em nome do repúdio a dominação, no caso do tipo tradicional descrita por Max Weber. Os professores foram deslegitimados com o argumento da crítica o tipo de dominação classificado como racional legal, também na tipologia de Weber. Este mesmo argumento foi usado contra os agentes do Estado em geral. Restou a anomia, um vácuo no qual os poderes informais, como o das facções criminosas, se fortaleceram. As tribos urbanas, que estão substituindo a influência da família, da escola e das igrejas, também se fortaleceram, valendo-se ainda do discurso libertário e hedonista.

O conservadorismo entendido como o pensamento para o qual o homem não pertence a si mesmo, mas à família, pátria e igreja, conforme Robert Nisbet, em O conservadorismo; juntando-se a isso a prudência diante das práticas que fazem da sociedade um laboratório e das pessoas cobaias de experimentos sociais e políticos, seguindo o entendimento de Roger V. Scruton, 1944 – 2020, em O conservadorismo: um convite a grande tradição. Conservadores tentam resistir, mas são violentamente reprimidos pela censura e por outros meios. A semelhança entre conservadores e revolucionários é maior do que parece. Ambos entendem que o homem não se pertence, embora atribuam o pertencimento a instituições ou entidades diferentes. O revolucionário se transcende na classe social, grupo identitário ou partido.

O liberalismo, para quem o homem se pertence, podendo agir livremente até o limite da alteridade, não gosta da dominação dos construtos coletivos, sejam eles “conselhos” (soviets), classe, grupos identitários, igrejas, Estado ou partido. Encontra dificuldade em formar aliança com o conservadorismo. O liberalismo é pouco sedutor pois o autopertencimento não se coaduna com a ilusão do Estado provedor. É próprio dos liberais dizer que quem troca a liberdade pelo bem-estar acaba ficando sem as duas coisas (Milton Friedman, 1912 – 2006). O ceticismo em face da proposta paradisíaca da garantia estatal de conforto não se presta ao exercício da demagogia, forma decadente da democracia, na citada tipologia do estagirita. A democracia decadente prefere os mitos e mitologias políticas de que fala Raoul Girardet (1917 – 2013).

Anthony Daniels (Theodore Dalrymple, 1943 – vivo) afirma: a humanidade está desorientada por influência dos intelectuais. A grande confusão é indício do declínio de uma civilização. “Zumbis” criados pela dependência química e o envelhecimento populacional da espécie que não quer se reproduzir são sugestivos de decadência. Repensemos tudo.

Fortaleza, 15/3/23.

Rui Martinho Rodrigues.

 

 

 

 

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