Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

terça-feira, 24 de maio de 2022

QUANDO A ARTE TORNOU MENOS ÁRIDO O DIREITO CIVIL NA PETIÇÃO CHAMADA DE HABEAS PINHO

Esta é a famosa petição do advogado paraibano Ronaldo Cunha Lima depois conhecida como HABEAS PINHO:


“Exmo. Sr.

Dr. Artur Moura,

Meritíssimo Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca,


O instrumento do crime que se arrola

Neste processo de contravenção

Não é faca, revólver nem pistola.

É simplesmente, Doutor, um violão!


Um violão, Doutor, que, na verdade,

Não matou nem feriu um cidadão.

Feriu, sim, a sensibilidade

De quem o ouviu vibrar na solidão.


O violão é sempre uma ternura,

Instrumento de amor e de saudade.

Ao crime ele nunca se mistura.

Inexiste, entre os dois, afinidade.


O violão é próprio dos cantores,

Dos menestréis de alma enternecida,

Que cantam as mágoas e que povoam a vida,

Sufocando, assim, suas próprias dores.


O violão é música e é canção,

É sentimento de vida e alegria,

É pureza e néctar que extasia,

É adorno espiritual do coração.


Seu viver, como o nosso, é transitório,

Porém, seu destino o perpetua:

Ele nasceu para cantar, em plena rua,

E não para ser arquivo de Cartório.


Mande soltá-lo, pelo Amor da noite

Que se sente vazia em suas horas,

Para que volte a sentir o terno açoite

De suas cordas leves e sonoras.

Libere o violão, Dr. Juiz,

Em nome da Justiça e do Direito!

É crime, porventura, o infeliz,

Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?


Será crime, e afinal, será pecado,

Será delito de tão vis horrores,

Perambular na rua um desgraçado,

Derramando na rua as suas dores?


É o apelo que aqui lhe dirigimos,

Na certeza, já, do seu acolhimento.

É somente liberdade, o que pedimos

E, nestes temos, vem pedir deferimento!


Assinado:

Ronaldo Cunha Lima, advogado.


O juiz  por sua vez, despachou utilizando a mesma linguagem do poeta Ronaldo Cunha Lima: o verso popular.


Recebo a petição escrita em verso

E, despachando-a sem autuação,

Verbero o ato vil, rude e perverso,

Que prende, no Cartório, um violão.

 

Emudecer a prima e o bordão,

Nos confins de um arquivo, em sombra imerso,

É desumana e vil destruição

De tudo que há de belo no universo.

 

Que seja Sol, ainda que a desoras,

E volte á rua, em vida transviada,

Num esbanjar de lágrimas sonoras.


Se grato for, acaso ao que lhe fiz,

Noite de luz, plena madrugada,

Venha tocar à porta do Juiz. “

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