Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

segunda-feira, 17 de maio de 2021

UM MOMENTO PECULIAR Fortaleza, 15/5/21. Rui Martinho Rodrigues.

 

UM MOMENTO PECULIAR

As transformações históricas se fazem em ritmos diferentes. Fernand Braudel (1902 – 1985) menciona três tempos da ação humana, com duração curta, longa e intermediária. Mudanças rápidas ocorrem sempre. Incidem, de modo geral, sobre os fatos e atos valorados como de menor importância, aos quais William Graham Summer (1840 – 1910) nomeou como folkways, inversamente do mores, que estão situados no topo da hierarquia dos valores, ainda na classificação do autor citado. Estes geralmente sofrem lentamente o desgaste causado por Cronos, na forma da longa duração.

O momento atual caracteriza-se pelas transformações dos mores em ritmo de curta duração. A mudança de folkways, incidindo sobre a moda do corte de cabelo ou das cores das roupas geralmente não causa grandes impactos. A instabilidade dos mores, porém, pode provocar turbulência, como pode ser consequência de desordens ou perturbações. A integração de culturas de civilizações diferentes, na aldeia global de Herbert Marshall Mcluhan (1911 – 1980), favorecidas pelos enormes fluxos migratórios e pelas comunicações globais e instantâneas que as novas tecnologias ensejam, contribuíram para as mudanças culturais.

O cosmopolitismo anda junto com o multiculturalismo, que tende a ser interativista, nada obstante o esforço do ativismo político, que estimula o multiculturalismo diferencialista, com forte tendência para exacerbar conflitos. Tudo isso potencializou o choque de civilizações ressaltado por Samuel Phillips Huntington (1927 – 2008). A instabilidade das referências culturais comprometeu a legitimidade dos papeis sociais impactando nas relações sociais, produzindo instabilidade normativa e valorativa. O Direito reúne fato valor e norma, segundo palavras de Miguel Reale (1910 – 2006). A instabilidade dos mores abala a legitimidade da normatividade jurídica e dos costumes. Gera desorientação.

A pretexto da superação da norma escrita pela mudança cultural, que enseja a chamada mutação constitucional, que consiste em uma alteração do sentido do texto maior sem modificar a sua literalidade. Temos ainda a interpretação conforme a constituição, que permite que o STF modifique o sentido das normas para torna-las compatíveis com a Carta Política. O campo das decisões judiciais se alarga. É fácil alegar a singularidade dos casos concretos em face da norma abstrata, dando lugar o procedimento denominado concreção, que é a passagem da abstração ao fato objetivo. A Carta Política é principiológica, analítica e programática, condição que permite inúmeras hipóteses de incidência, que juntamente com os demais aspectos aludidos fizeram do STF uma constituinte permanente, embora sem representatividade. A soberania popular foi substituída pela soberania da mais alta corte de justiça.

O protagonismo das massas, tornado possível pelas novas tecnologias, reivindica a devolução da soberania ao povo. A decadência dos partidos e o descrédito do Legislativo se somam a indefinição da separação das funções dos três poderes. As lideranças do tipo tradicional e as do tipo racional legal, na classificação Maximilian Karl Emil Weber (1864 – 1920), estão desacreditadas. Líderes carismáticos são raros. Juntaram-se as crises sanitária, econômica e política, além da velha crise moral. A ser verdadeira a parêmia segundo a qual a visão do patíbulo clarifica a mente, deve estar próxima a superação do conjunto de impasses da conjuntura descrita, admitindo-se que crise seja impasses e oportunidades.

Fortaleza, 15/5/21.

Rui Martinho Rodrigues.

 

 

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