Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

sexta-feira, 22 de maio de 2020

O CAÇADOR DE ESMERALDAS Raquel Naveira

O CAÇADOR DE ESMERALDAS
Raquel Naveira

Minha mãe tinha olhos verdes como esmeraldas, o que dava a ela uma aparência de fera felina. A esmeralda é uma das pedras mais valiosas do mundo, de tom verde profundo, com uma porção desmaiada de azul e, no caso dela, com um toque de amarelo-ouro em volta das pupilas. A pulseira de esmeraldas que usava no braço direito dava-lhe, dizia sempre, proteção contra serpentes venenosas e reluzia no éter.
Verde é a cor da vegetação, da natureza, da esperança. Ah! Que nunca nos falte esse dom. A capacidade de sonhar, principalmente com as ideias mais absurdas. Com a possibilidade de pequenas nuvens negras derramarem água límpida. Do sol raiar no meio das trevas. De existir uma vida além desta. De que, com coragem, tudo há de mudar. De crer que hoje será melhor do que ontem. De que cada lágrima será recolhida por Deus em filetes de clorofila, depositados em salvas de prata.
Fernão Dias Pais Leme (1608-1681) foi um bandeirante paulista que ficou conhecido como “O Caçador de Esmeraldas”. Pertenceu a uma das famílias mais antigas e influentes do planalto. À época, São Paulo era um pequeno vilarejo de choupanas e casas de taipa, no vale do Anhangabaú. A economia era pobre, calcada na agricultura de trigo, algodão e marmelo, no trabalho escravo indígena. Fernão empregou todos os seus bens, suas forças vitais, energia perseverante, no sonho de encontrar as lendárias minas de esmeraldas. Durante muito tempo preparou munições e alimentos. Aos 66 anos, partiu à frente de centenas de homens, seguindo as águas dos rios, abrindo trilhas nas selvas. Em sete anos de peregrinação, foram aos poucos dizimados por fome, febre, répteis, sertanejos rudes, furor de amotinados, combates. Até que, numa rede aberta na lagoa, entre os cascalhos, brilharam as luminosas esmeraldas. Suas forças se esgotaram. Estava trôpego, envelhecido, roto. Encontrou a morte, no meio da mata, abraçado ao seu tesouro. Mais tarde, descobriu-se que eram apenas turmalinas, mas cidades valorosas surgiram no coração do oeste brasileiro.  Nasceram das sementes plantadas em pousos e roças pelos caminhos por onde andou.
Essa história épica, com suas virtudes e horrores, foi contada num poema narrativo intitulado “O Caçador de Esmeraldas”, do poeta parnasiano Olavo Bilac (1865-1918). Recordo-me do dia em que, ainda adolescente, li esses versos em que o verde se destacava como pedra e como cor: “Verdes, os astros no alto abrem-se em verdes chamas; verdes, na verde mata, embalançam-se as ramas; e flores verdes no ar brandamente se movem, chispam verdes fuzis riscando o céu sombrio. Em esmeraldas flui a água verde do rio e, do céu, todo verde, as esmeraldas chovem”. Foi mesmo um verde delírio! Uma jornada ao país da Loucura, buscando esmeraldas raras pelas furnas e socavões, sob as estrelas do espaço. Imaginando a morte do sertanista, segurando a sacola de couro recheada de inúteis esmeraldas, agonizando como um mendigo, lágrimas escorreram pelo meu rosto.
Essa história foi representada nas artes plásticas (quadro “A Morte de Fernão Dias Pais”, de Antônio Parreiras, que se encontra na Pinacoteca de São Paulo); no cinema (um filme de 1979, com Jofre Soares no papel do bandeirante, roteiro de Hernâni Donato, contando ainda com atores como Tarcísio Meira e Glória Menezes); no teatro; em duas estátuas (uma na BR 381, outra no Museu Paulista), numa busca da cultura e identidade paulistas.
Por que será que tudo isso me veio à lembrança nesses dias de névoa? Vai tão longe esse tempo de Fernão Dias... Talvez porque necessite de determinação heroica e insana para resistir, de uma dose mais forte de esperança nas veias. Talvez porque fulminem sempre sobre mim os olhos verdes como esmeraldas de minha mãe.

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