Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

quarta-feira, 29 de abril de 2020

ESPERANÇA E APREENSÃO Fortaleza, 8/4/20 Rui Martinho Rodrigues Publicado no jornal O Povo.


ESPERANÇA E APREENSÃO

Acontecimentos de grande impactos provocam transformações. O coronavirus abalou o mundo. Surgem esperanças e apreensões. Teremos um mundo mais solidário, mais proteção para os vulneráveis e mais cooperação internacional? Ou mais dominação, neocolonialismo para conter riscos transnacionais, mais clientelismo, mais poder para o Leviatã no vácuo provocado pela falência de outras formas de organização? Contrariamente, haverá a falência do Leviatã, a semelhança da queda do Império Romano? Poderes particulares se fortalecerão, de modo diferente, mas comparável ao advento do feudalismo?

O radicalmente novo é improvável. Transformações convivem com a preservação de parte do que havia antes, inclusive para se viabilizar, a exemplo Nova Economia Política de Vladimir Ilitch Lênin (1870 – 1924). Transitoriedade e mudança andam juntas. A revolução dos bichos, fábula de George Orwell (Eric Arthur Blair, 1903 – 1950), prometia o nivelamento social da forma que para José D’Assunção Barros (1967 – vivo), na obra “Igualdade e diferença”, seria igualdade de todos em tudo. O que fez, porém, foi o que Barros designa como igualdade de alguns em tudo, privilegiando os porcos. Transformações profundas e rápidas são revoluções. Começam como libertárias e instituem mais repressão e oligarquias conforme Milovam Djilas (1911 – 1995) denunciou na obra “A nova classe”. Castas dirigentes instituídas por revoluções, ao modo da nomenklatura soviética e da monarquia hereditária da Coreia do Norte, desnudam os descaminhos das revoluções e confirmam a lei de ferro da oligarquia, de Robert Merton (1910 – 2003).

A esperança depositada nos funcionários e políticos que pilotam o Estado é semelhante ao entusiasmo do seus antípodas. A ilusão do fim da heteronomia, da coercibilidade do ordenamento jurídico, para os que antegozam o desmoronamento do Estado, conforme o anarquismo, é semelhante ao sonho dos estatólatras. Não esqueçamos, todavia, que as mudanças poderão não ser tão profundas, nem permanentes ou agradáveis e há lugar para temores.

Fortaleza, 8/4/20

Rui Martinho Rodrigues

Publicado no jornal O Povo.

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