O SOCIALISMO FABIANO
A sociedade fabiana foi fundada por
intelectuais britânicos (Hubert Bland, 1855 – 1914; Edith Nesbit, 1858 – 1924;
Frank Podmore, 1856 – 1910 e outros) nos anos oitenta do séc. XIX, logo após a
morte Karl H. Marx (1818 – 1883). As influências teóricas de sua formação foram
o marxismo e o liberalismo inglês. Recusaram o Estado classista e a tomada do
poder pela força, diversamente dos bolcheviques. Diferente da social democracia,
não visavam conquistar cargos nos governos. Queriam reformar a sociedade
modificando a cultura, atuando nos estabelecimentos de ensino, na imprensa,
igrejas de modo semelhante ao que Louis Althusser (1918 – 1990), no século
seguinte, chamaria de aparelhos ideológicos do estado (por indiferenciar Estado
e sociedade por influência hegeliana).
Há uma certa semelhança também entre o
pensamento de Antonio Sebastiano Francesco Gramsci (1891 – 1937) e os fabianos.
O teórico italiano do socialismo manteve a ideia do Estado proletário,
distinguindo-se do gradualismo reformista britânico, propunha a conquista da
hegemonia ideológica pelo domínio do que ele considerava aparelhos ideológicos,
semelhantemente aos fabianos, que não usavam tal expressão. Significativamente
o nome da sociedade fabiana alude a Quintus Fabius Maximus (280 a.C. – 203
a.C.), ditador romano, estrategista que combateu Aníbal evitando e adiando batalhas
decisivas, travando escaramuças, buscando a vitória a longo prazo.
O modo de realização da reforma social
dos fabianos é a reconstrução da sociedade (reengenharia social e antropológica,
criando uma nova sociedade e um novo homem) pela via das possibilidades morais,
enfatizando valores humanísticos, sem pensar na produtividade e na eficiência,
oferecendo bem-estar, não por uma economia mais produtiva ou pela solução de
problemas técnicos, sem premiar os mais eficientes, aquinhoando a ineficiência
com o desfrute do Estado provedor. Mudar a ênfase do desenvolvimento cognitivo
para a sensibilidade emocional e reforma psicológica, em nossos dias, descrita
com farta documentação por Pascal Bernardin (1960 – vivo), na obra “Maquiavel
pedagogo”, que cita documentos da ONU, da União Europeia e do Ministério da
Educação da França, é semelhante ao modelo fabiano, sem que necessariamente
haja uma inspiração direta dos reformadores britânicos.
Distributivismo fiscal, criação de
emprego por meio de obras públicas e estatização de empresas eram os
instrumentos de realização política do desiderato socialista, que não se limitava
aos aspectos econômicos. A transformação da cultura estava entre suas metas. Influenciaram
as políticas sociais britânicas até os anos oitenta do século XX e quase todo o
mundo até hoje. Aposentadorias, pensões, seguro desemprego, serviços de saúde e
outros benefícios eram fins e ao mesmo tempo meios de fazer prosélitos, no que
foram muito bem-sucedidos.
O controle da linguagem foi largamente
praticado. Tributos foram eufemisticamente renomeados como “contribuições”,
proprietários pejorativamente redefinidos como “privilegiados”, gastos
governamentais como “investimentos”, de modo semelhante ao léxico ortodoxo
politicamente correto de hoje, mas sem a agressividade dos nossos dias.
Elogiavam o regimente soviético pelos fins almejados, não pelos meios
empregados. Não buscavam os benefícios do livre mercado, da ordem espontânea
descrita por Friedrich Hayek (1899 – 1992), da competição pela eficiência
premiando os mais produtivos.
As boas intenções dos fabianos não
lograram obter sucesso. O crescimento do Estado eleva custos, cria uma
burocracia privilegiada e conduz a crise fiscal. Os indicadores de qualidade de
vida, tais como esperança de vida, mortalidade infantil, escolaridade e
analfabetismo e acesso aos bens e serviços não param de melhorar desde a
Revolução Industrial havida como desumana. Hong Kong, uma ilha e um pedaço de
península sem nenhum recurso natural, em meio século, sem enveredar pelo
caminho dos “direitos sociais”, criou bem-estar produzindo para os seus
cidadãos uma renda maior do que a dos britânicos.
O Estado provedor só foi possível depois
que a ordem espontânea estimulou a produtividade, gerou riqueza, a riqueza
gerou empregos e financiou o Estado que assumiu a paternidade da melhoria da
qualidade de vida. A inexistência de benefício sem custos limita o desfrute sem
vínculos com a produtividade. A crise fiscal do Estado do bem-estar chegou
depois de um longo tempo, graças aos avanços da produtividade e da eficiência
em geral da sociedade aberta (Karl Raymond Popper 1902 – 1994). Mas as reivindicações
tendem a crescer, já que as aspirações são infinitas e os recursos finitos.
As trocas internacionais assimétricas
possibilitaram aos europeus o desfrute sem ônus, transferindo custos para os
países periféricos. Mas o modelo enfrenta dificuldades com a transformação da
divisão internacional do trabalho reduzindo as assimetrias nas trocas
internacionais. Então a crise fiscal chegou.
Os custos do Estado do
bem-estar europeu, com enorme carga tributária, contribuíram para deslocar
indústrias para a Ásia. O desemprego estrutural não decorre da ordem
espontânea, mas principalmente do Estado provedor. A automação não é a
principal responsável pelo desemprego, pois gera riqueza e riqueza gera
emprego. A sedução do pensamento fabiano é poderosa. Oferece a autoimagem de
altruísmo sem ônus, terceirizando a solidariedade, transferindo-a para o Estado
a ser financiado por outros; permite confundir desejo com direitos; transforma
em arauto da justiça quem se incomoda com a condição dos mais aquinhoados.
Fortaleza, 20/5/22.
Rui Martinho Rodrigues.
Nenhum comentário:
Postar um comentário