OS
DEMIURGOS
A
sociedade é complexa demais para ser integralmente dirigida. Inúmeros fatores,
entre eles a ação voluntária e incontrolável dos sujeitos da ação social, inviabilizam
a engenharia da sociedade. O conhecimento dos fenômenos sociais não tem a precisão,
a previsibilidade e o rigor das ciências da natureza requeridos dos
engenheiros. Manuais de Biologia dizem que os seres vivos não se adaptam para
sobreviver, mas sobrevivem porque se adaptam. Isto é: efeitos não planejados
predominam.
A
engenharia social tem fracassado. O planejamento é um importante fator de
sucesso, mas no âmbito restrito de atividades específicas, porque quanto menor
a abrangência do objeto mais profundo e seguro é o conhecimento. A complexidade
do conjunto da ordem social impede o sucesso no planejamento geral da
sociedade. Friedrich A. von Hayek (1899 – 1992) explicou a ordem espontânea. O
fracasso da engenharia social se repete desde a tentativa malsucedida de Platão
(348 a.C. – 328 a.C.) em Siracusa. A perseverança dos candidatos a demiurgos da
nova sociedade e de um novo homem, pelo planejamento, é notória. Há sempre uma
desculpa para o insucesso.
A
confiança nas próprias conjecturas, que Friedrich W. Nietzsche (1844 – 1900)
disse ser vontade de potência, explica a perseverança no erro. A vaidade
estimula a autoimagem de sábio, capaz de resolver de uma vez os problemas da
humanidade. Também é reconfortante sentir-se exonerado dos próprios fracassos,
culpar o sistema, os opressores. Tais coisas existem e são prejudiciais. Mas as
fórmulas alternativas fracassam. É reconfortante sentir-se e projetar a imagem
de sábio e virtuoso, propondo um mundo melhor. A reivindicação de poder, para
salvar o mundo, vem junto com o desfrute das delicias da nomenklatura (Milovan
Djlas, 1911 – 1995, na obra “A nova classe”), no mundo dos “mais iguais” de
George Orwell (Eric A. Blair, 1903 – 1950, na fábula “A revolução dos bichos”).
Junte-se
a isso o aspecto psicológico. Culpar opressores oferece a oportunidade de
odiar, que a muitos agrada. Camuflar a inveja sob o manto da proposta de igualdade
e justiça social afaga o ego. Projeta imagem favorável. É eleitoralmente útil.
Desejar o poder para fazer o bem e impor sacrifícios e renúncias a terceiros é
uma fórmula atraente. A sabotagem dos adversários, a hora e o lugar impróprios
e a traição ou desvios dos executores “salvam” a validade do projeto. A
implantação de uma ordem social diversa da realidade histórica precisa ser
compatível com a condição humana. Surge então a pergunta: o homem tem uma
natureza ou é totalmente moldado socialmente? Textos milenares da mitologia
grega apresentam o mesmo perfil humano atual, passando por cima dos vários
modos de produção, sugerem a existência da natureza aludida.
Invocar
a democracia querendo o papel de guia de cego, próprio dos reis filósofos da
“República” de Platão; prometer muito e sempre pedir mais tempo e poder para
realizar grandes coisas; dogmatizar valores sem deixar de negá-los ou
relativiza-los quando conveniente obtém sucesso eleitoral, consagra autores de
livros, faz prosélitos. Não consegue, porém, realizar o que promete. Liberdade,
não de agir, mas de ser, é um dos objetivos nunca alcançado. Igualdade de
resultados também é uma promessa típica da “terra sem males” (Eduardo Neuman,
em obra publicada pela Méritos Editora) do imaginário tupi-guarani. Raoul Girardet
(1917 – 2013), na obra “Mitos e mitologias políticas”, demonstra a influência
atávica do pensamento mágico nas doutrinas políticas.
Fortaleza,
14/7/21.
Rui
Martinho Rodrigues.
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