A DIALÉTICA NEGATIVA
A civilização pode ser entendida como marcha evolutiva movida a conflito. Na expressão de Karl H. Marx (1818 – 1883) toda a História se resume na história da luta de classe. É a lógica da guerra, do vale-tudo. Legitima emboscadas, ataques de surpresa, engano, condutas que sem a pugna são antiéticas. Exterminar ou obter a rendição é o objetivo da guerra (C. P. G. von Clausenwitz, 1789 – 1831). É a “ética” teleológica. Justifica os meios em nome dos fins, destrói a ética. É oportunismo. É reducionista. Despreza a composição de interesses e a solução de problemas, que é a maior contribuição para o processo civilizatório (ver “O processo civilizatório”, de Darcy Ribeiro, 1922 – 1997).
A evolução da civilização é observável no progresso técnico e mais lentamente na ciência, na Filosofia, nas instituições jurídicas e políticas. Não é observável no homem. Jacques Le Goff (1924 – 2014), na obra “História e memória”, ressalta a diferença entre os diversos campos do progresso. Não menciona a evolução do homem. Não nos relacionando melhor com os nossos conflitos íntimos, com os nossos conviventes ou com a natureza ao longo do tempo. Não evoluímos. A interpretação conflitiva introduz a ética do vale-tudo; despreza outras variáveis do processo histórico; facilita a arregimentação de prosélitos transformados em soldados disciplinados.
Nicolau Maquiavel (1469 – 1527) seguiu a lógica do conflito. Disse que importante é aparentar virtude, não ter virtude; ser temido, mais do que ser amado. Não pensava em eleitores, mas na lógica da guerra. Antonio F. Gramsci (1891 – 1937), admirador de Maquiavel, seguiu a lógica do conflito. Classificou as lutas revolucionárias em guerra de movimento e de trincheira. A Revolução Bolchevique foi do primeiro tipo. O pensador italiano propunha a guerra de trincheiras ou de posições, trocando o assalto ao poder, simbolicamente representado pela tomada do palácio de inverno do Czar, pelo domínio da cultura.
A redução de tudo ao conflito e ao determinismo de classe confunde cultura e ideologia. O domínio da cultura é a conquista da hegemonia ideológica. Georg Luckás (1875 – 1971) também disse: o nosso objetivo é o domínio da cultura. Os frankfurtianos deram ênfase a chamada superestrutura, sem romper com o reducionismo de classe e do conflito. O apelo revolucionário não seduziu o proletariado. A classe média e a burguesia se mostraram mais permeáveis ao discurso que aparenta virtudes: estado provedor, distributivismo fiscal e novo homem. O poder como uma rede que permeia toda a sociedade fortaleceu a revolução cultural como logicamente anterior a tomada do poder formal. Michel Foucault (1926 – 1984), na obra “A microfísica do poder” descreve o poder como uma rede indiscernível da cultura.
A guerra muda objetivos táticos. Combater a burguesia arregimentando o proletariado internacional, objetivo que I Guerra Mundial desacreditou; aliar-se às burguesias nacionais e movimentos de descolonização; acicatar a paixão nacionalista; mudar o foco das classes para grupos identitários; ser contra e logo após a favor da globalização são mudanças táticas para alcançar o objetivo estratégico: o poder. A dialética, senhora de costumes cognoscitivos fáceis (Lucio Colletti, 1924 – 2001) permite isso, ajudada pela lógica da guerra. O objetivo estratégico exige destruir e substituir a cultura. A dialética negativa quer reconfigurar tudo: escola, família, Judiciário, homem, mulher. É omnívora e voraz. Sataniza a crítica. Invoca ciência, Direito, justiça e democracia. Aparenta virtude.
Fortaleza, 7/7/21.
Rui Martinho Rodrigues.
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