VIRTUDES E INTERESSES
O bem comum, em suas diversas acepções,
está presente nas teorias políticas, assim como na axiologia. Aristóteles (384
a.C. – 362 a.C.) entendia que a ação política no exercício do munos publicum
deveria ser recompensada, no que demonstrava ceticismo em face do servidor
público altruísta. O partido republicano contemporâneo do estagirita defendia a
ideia segundo a qual os agentes políticos deveram agir por altruísmo.
Modernamente Adam Smith (1723 – 1790), autor, entre outras obras, da “Teoria
dos sentimentos morais”, antes de ser considerado economista dedicou-se ao
estudo da Filosofia Moral, era da escola do iluminismo escocês e pensava como
Aristóteles, apesar de David Hume (1711 – 1776) ter exercido influência sobre
ele.
Smith concluiu que recompensar aqueles
que servem ao interesse social é mais produtivo do que confiar na dedicação
desinteressa. Parece certo. A paixão abnegada, sem motivação argentária não é
menos perigosa. Tende a ocultar motivações sob a alegação de virtude. O
escamoteado é suspeito. O condenável cálculo pecuniário, por ser cálculo, tende
a ser racional. É possível condenar a lógica dedutiva e indutiva. Mas até para
condená-la os seus críticos se servem dela. É mais fácil identificar o
interesse material do que a volúpia pelo poder apontada por Friedrich Nietzsche
(1844 – 1900).
Resíduos e derivações (Vilfredo Pareto,
1848 – 1923) podem submeter pessoas inteligentes e cultas à influência
medieval. Vi dois profissionais bem informados declararem, no mais escancarado
reducionismo, que o problema do Brasil era o lucro. Esqueceram do papel
positivo do “famigerado lucro” no desenvolvimento dos trigres Asiáticos. Todos
os indicadores de bem-estar social apontam para melhorias. Mas foram trocados
pelos dados de concentração de renda. A diferença foi confundida com
desigualdade (José D’Assunção Barros, 1967 – vivo). Parece que o problema não é
pobreza. Mortalidade inflantil, esperança de vida, escolaridade média, acesso
aos bens que proporcionam conforto nada significam. A “desigualdade”
(diferença), aumentou e isso basta.
Thomas Samuel Kuhn (1922 – 1996) explica
a dificuldadade por outro caminho: a cegueira dos paradigmas. Gaston Bacelard
(1884 – 1962) diz que o conhecimento pode obstacular o avanço dos saberes.
Economistas qualificados alegam que o Brasil é uma das maiores economias do
mundo e apesar disso temos muita pobreza. Esquecem que a maioria dos países
desenvolvidos tem população muito pequena. Temos o PIB maior do que Finlândia,
Suécia, Noruega, Dinamarca, Israel, Suiça, Bélgica, Mônaco, Países Baixos, Nova
Zelândia e quase todos os países desenvolvidos. Mas a proporção de pobres entre
eles é menor do que entre nós porque têm a relação população/PIB muito mais
favorável.
Economistas discutem a baixa
remuneração, não a produtividade. Pregam a distribuição da riqueza dos outros.
Não falam na qualificação de recursos humanos. Descrevem a pobreza com muitos
dados estatísticos, mas passam ao largo do problema da cultura da pobreza, para
o qual nos alerta Antony Guidens (1938 – vivo).
Ao lado dos resíduos e
derivações medievais, temos a cegueira dos paradigmas, herança teoria da
pauperização, que precisou ser substituída pela noção de “consumismo” depois de
desmentida pelos fatos. Conhecimento não é sabedoria e virtudes nem sempre orientam
bem. Muitos se preocupam com a influência confessional na política. Mas o que são os resíduos e
derivações medievais na denúncia da desigualdade e satanização do lucro?
Fortaleza, 13/4/20.
Rui Martinho Rodrigues.
Publicado no blog da
ACLJ e no Segunda Opinião.
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