ROBOÃO
E O BRASIL DE HOJE
O
presidente Bolsonaro gosta de citar a bíblia. Caso a conheça, deve saber quem
era Roboão, filho e sucessor de Salomão, o rei sábio que soube acumular
riqueza. Aproveitou a herança recebida de seu pai, o rei Davi, grande guerreiro,
que expandiu o reino de Israel. Salomão não se notabilzou pelo uso da espada,
como o pai, mas era um grande negociador. Seus súditos conformaram-se com uma
pesada carga tributária. Morreu Salomão. Sucedeu-lhe Roboão, seu filho. Este
não era guerreiro e não tinha a habilidade política. O líder da oposição a
Salomão voltou do exílio e disse a Roboão, com apoio das tribos de Israel: “Teu
pai agravou nosso jugo; agora, pois, alivia tu a dura servidão de teu pai, e o
pesado jugo que nos impôs, e nós te serviremos” (I Reis, 12; 4). Roboão pediu
três dias de prazo e foi ter com o Conselho de Anciãos que o aconselhou a conceder
o que haviam pedido. Ele, porém, não acatou o parecer dos idosos. Foi ter com
os mancebos que o aconselharam a ser ríspido e a ameaçar dureza maior que a de
seu pai. Disso resultou que dez das doze tribos de Israel e mais a metade de uma
tribo se separaram, seguindo Jeroboão. Roboão ficou apenas com uma tribo e a
metade de outra.
Bolsonaro
foi duro com Gustavo Bebiano, Santos Cruz, Janaína Pascoal, Joyce Hasselmann e
tantos outros aliados de primeira hora. Usou de um ritual de “fritura”,
humilhação pública para afastar aliados antigos. Não ganhou apoios. Teria sido
aconselhado por “mancebos”, a semelhança de Roboão. Declarações indelicadas
seriam ensaios para avaliar a reação de apoiadores. Sérgio Moro, porém, não se
deixou fritar. Saiu atirando e tinha bala na agulha. A interferência política
na PF coincide com a abertura de inquérito para apurar a origem dos ataques ao
STF e ao Congresso; com a decisão do STJ que negou o trancamento das
investigações contra um dos filhos do presidente; com a aproximação entre o
presidente e parlamentares incomodados com a Lava Jato.
São
só coincidências? Pode ser. Mas a mulher de Cesar deve, além de ser honesta,
parecer honesta. O ministro saiu diante de um processo de fritura e evitou a
aparência de compactuar com atitudes suspeitas; incomodado com a substituição
de auxiliares que se desempenhavam bem; em razão da quebra da promessa de que
teria carta branca; insatisfeito com a interferência política explícita na
Polícia Federal; antes que o processo de fritura atingisse a sua dignidade.
A
saída de Sérgio Moro expõe uma face do governo Bolsonaro, diversa daquela que o
eleitorado acolheu. Órgãos de Estado tratados como instrumento político fazem
parte daquilo que o presidente denominou velha política. Seria falta de opção?
Imposição da governabilidade? Esforço de sobrevivência do governo? Pode ser.
Mas conduzido sem habilidade e aparentemente levado por conselhos de
“mancebos”, como Roboão. Seria impossível governar sem a velha política? Então
a finalidade do governo estaria esvaziada. Seria preciso ter habilidade
política para enfrentar o que a Netflix nomeou como “mecanismo”. A atitude de
Roboão é o caminho da solidão. E solidão em política é fatal. O realismo
político é largamente praticado. Nicolau Maquiavel (1469 – 1527) aconselhou: é
preciso aparentar virtude, não é preciso ter virtude. A política, na terra de
Macunaíma, não é para puritanos ou principiantes. O presidente não é ou não
deveria ser nada disso. Só podemos ser governados com a permissão e a
participação do “mecanismo”? Precisamos de negociação programática, de caráter
republicano e de transparência. É quase impossível governar com mais de trinta
partidos e sem liderança qualificada.
Fortaleza,
24/4/2020.
Rui
Martinho Rodrigues.
Nenhum comentário:
Postar um comentário