INFELICIDADE INDUZIDA
Percepção, significado, valoração, ângulo
visão, ênfase e idiossincrasias se sobrepõem aos fatos na formação da
resultante do “sistema de forças” na constelação de fatores que compõem a
felicidade. Condições materiais de vida melhoraram enormemente desde o advento
da Revolução Industrial. Escolaridade, acesso aos bens e serviços, liberdades e
garantias individuais, proteção de minorias pelo Estado e instituições, controle
de epidemias, cura de doenças letais, tratamentos menos dolorosos, declínio da
mortalidade infantil, maior esperança de vida, Direito Penal humanizado com
penas alternativas, entretenimento disponibilizado pela popularização do rádio,
TV e internet, atividade física facilitada pelo acesso às academias, pedagogias
suaves, integração de pessoas especiais, abandono das práticas de amedrontar
crianças com Bicho Papão, possibilidade de escolher o momento de engravidar,
superação da infertilidade e o grande aumento da mobilidade geográfica são
aspectos que objetivamente indicam melhores condições de vida.
Mais
felizes, porém, não nos tornamos. O suicídio cresce. Dependência química é
pandemia. Depressão, síndrome do pânico, ansiedade, as varias formas de
insatisfação, o sentimento de revolta e indignação crescem levando a uma era de
manifestações de protesto. A seletividade da memória, autêntico mecanismo de
defesa, é lembrada para afastar a visão de um passado mais feliz. Dizem que
huve apenas aumento do registro e da percepção da infelicidade, não fatos que
traduzem esta condição. Objetivamente, porém, o crescimento dos fatos que
expressam insatisfações e infelicidade é real. Não é só aumento de registro.
Formadores
opinião, como professores, comunicadores, escritores e celebridades tendem a
olhar o mundo pelo ângulo da inconformidade. Alegam que o conformismo paralisa
a vida. Poetas dizem: “todo grande amor só é bem grande se for triste”
(Vinicius de Moraes, 1913 – 1980). Comunicadores declaram: notícia é o homem
morder o cachorro, não o cachorro morder o homem. Destacam o inusitado, ao
invés de assinalar a tendência majoritária dos fatos e atos sociais.
Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) percebeu a tendência das fórmulas políticas
para a degradação, comparável a segunda lei da termodinâmca, na Física. A
democracia tende, segundo o estagirita, a degenerar em demagogia. Políticos e
ideológos exploram os ângulo desfavoráveis, omitindo a enorme melhoria de todos
os indicadores de qualidade de vida.
Destaque e valoração dos fatos e atos é feita, até nas
ciências da cultura, ao modo dos poetas e comunicadores, ressaltando a
infelidade, deformando a percepção. Poetas mentem. Intelectuais fazem tratados como
que valendo-se de licença poética. Comunicadores buscam audiência oferecendo
emoções. Políticos procuram votos mostrando indignação com o que interpretam
como injustiça. Mobilizar pessoas é mais fácil com raiva e indignação. O mundo
foi orientado, desde o advento do jornal impresso e do enciclopedismo (que
contribuiram para a Revolução Francesa) até as novas tecnologias de informação,
para ser infeliz e revoltado por “direitos que lhes são negados”, magoando-se e
tornando-se infelizes. Anthony Daniels disse, por isso, que o mundo está
desorientado.
Fortaleza, 1/7/19.
Rui Martinho Rodrigues.
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