Assembleia Mundial da Saúde aprova 14 de abril como Dia Mundial da Doença de Chagas. Medida busca chamar atenção para o agravo, que atinge mais de oito milhões de pessoas no mundo, mas permanece negligenciado 110 anos após descoberta
O dia 14 de abril foi oficialmente declarado Dia Mundial da Doença de Chagas. A decisão da 72ª Assembleia Mundial da Saúde – que reúne delegações de todos os estados-membros da Organização Mundial da Saúde (OMS) – foi anunciada nesta sexta-feira, 24 de maio, em Genebra, na Suíça. Descrito no Brasil, há 110 anos, pelo médico Carlos Chagas, pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), o agravo é classificado pela OMS como doença tropical negligenciada. Desde a descoberta pioneira, a investigação científica sobre a doença vem sendo desenvolvida de forma ininterrupta no Instituto e também na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) – o que não apenas demonstra que o legado de Carlos Chagas permanece vivo, mas reflete que a infecção permanece como um desafio com profundas raízes sociais. [Confira depoimentos de pesquisadores que trabalham por um mundo livre da doença de Chagas.]
Com estimativa de mais de oito milhões de pessoas afetadas no mundo, a mobilização pela visibilidade do agravo partiu dos pacientes e teve intenso apoio da comunidade científica e da saúde, inclusive no IOC e na Fiocruz. Desde sua fundação, em 2009, a Federação Internacional de Associações de Pessoas Afetadas pela Doença de Chagas (FINDECHAGAS), que reúne 20 organizações da sociedade civil de diferentes partes do mundo, defende a criação do Dia Mundial. Neste ano, após a inclusão do tema na pauta da 72ª Assembleia Mundial da Saúde, um abaixo-assinado online conseguiu mais de dez mil assinaturas.
Escolhido como Dia Mundial, o 14 de abril lembra a data de 1909 em que Carlos Chagas identificou, pela primeira vez, o parasito Trypanosoma cruzi, causador da infecção, em uma paciente: Berenice, uma menina de 2 anos, moradora da cidade de Lassance, em Minas Gerais. Publicada na revista científica ‘Memórias do Instituto Oswaldo Cruz’, a descrição do ciclo da doença de Chagas foi um dos feitos mais emblemáticos da ciência brasileira. Além de caracterizar o agente causador da infecção e o conjunto de sintomas, Carlos Chagas identificou o inseto transmissor: o triatomíneo, popularmente conhecido como barbeiro. A paciente Berenice foi reencontrada em 1961 e foi estudada por João Amílcar Salgado até 1981, quando faleceu.
Passados 110 anos da descoberta, estatísticas estimam que menos de 10% das pessoas com Chagas são diagnosticadas oportunamente e apenas 1% recebem o tratamento adequado. De acordo com a OMS, 65 milhões vivem com risco de contrair a infecção. Assim como outras doenças tropicais negligenciadas, o agravo está associado com a pobreza. Condições precárias de moradia favorecem a infestação de barbeiros, que transmitem o T. cruzi. Uma vez que a doença pode ser silenciosa na fase aguda, o baixo acesso a serviços de diagnóstico, faz com que muitos pacientes não recebem a medicação adequada logo após o contágio, quando o tratamento pode eliminar o parasito. Na fase crônica, após décadas de infecção, cerca de 30% dos indivíduos desenvolvem problemas cardíacos ou digestivos. As condições podem levar à morte, mas o diagnóstico e o tratamento adequados são capazes de prolongar e aumentar significativamente a qualidade de vida dos pacientes.
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, estudos recentes indicam que há entre 1,9 milhões e 4,6 milhões de pessoas infectadas pelo T. cruzi – sendo a grande maioria portadores crônicos – e a doença de Chagas é uma das quatro maiores causas de morte por agravos infecciosos e parasitários. Em 2006, o país recebeu o certificado internacional de eliminação do Triatoma infestans, principal espécie de barbeiro responsável pela transmissão domiciliar da infecção. No entanto, ainda existem focos residuais do vetor e outras espécies de triatomíneos apresentam potencial para colonização de domicílios, reforçando a importância de ações de vigilância e controle. Além disso, a transmissão oral do agravo é uma preocupação no país. De 2008 a 2017, casos desse tipo foram registrados em 21 estados do país. Associada a surtos, a infecção oral ocorre pelo consumo de alimentos infectados pelo T. cruzi, como, por exemplo, açaí ou caldo de cana, nos quais barbeiros são acidentalmente triturados durante o preparo dos sucos.
Por muito tempo, a doença de Chagas foi uma infecção restrita às Américas, em especial à América Latina. No entanto, nas últimas duas décadas, o agravo se espalhou para outros continentes, com casos registrados nos Estados Unidos, Canadá e diversos da Europa, além de Austrália e Japão. Associada principalmente as migrações humanas, a disseminação da doença também foi registrada em casos de transfusão de sangue e doação de órgãos, uma vez que a triagem para a infecção não era realizada em alguns países.
Reportagem: Maíra Menezes
Edição: Raquel Aguiar
24/05/2019
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