Bota na minha conta!
Geraldo Duarte*
Final da década de cinquenta do século passado. Época rica de provérbios e aforismos.
O jargão utilizado para ordenar os registros de débitos nas “cardenetas” de fiado das bodegas tomou rumos outros e significações bem diversificadas.
Recepcionado pela gaiatice fortalezense fez-se intensamente replicado e ouvido em inusitados locais e em situações igualmente variadas. Servia tanto aos acontecimentos alegres e divertidos, quanto aos fatos tristes e indesejados. Enfim, mostrava-se considerada galhofa e pândega em todos os sentidos.
Na mercearia de Seu Chicão, situada na Rua Rio Grande do Sul, bairro Pan-Americano, havia letreiros pendurados, sendo um deveras comum: “Fiado só amanhã” e, um maior e com letras chamativas de atenções: “Conta aqui só do meu rosário”.
Certo dia, ao término das aulas matutinas do Colégio Lourenço Filho, na Rua Floriano Peixoto, alguns alunos da última série do Curso Ginasial destinavam-se ao Abrigo Central, na Praça do Ferreira, onde embarcariam nos ônibus, destinando-se as suas residências.
Ao passarem em frente à conhecida Casa das Louças São José, próxima da Rua Liberato Barroso, um caminhão Chevrolet, modelo 1946, descarregava mercadorias destinadas a aquele estabelecimento comercial.
Inesperadamente, volumoso caixão caiu da carroceria do veículo, provocando enorme barulho ao espatifar-se no chão, além de sons característicos da quebra de prataria.
Na ocasião, a curiosice levou muitos dos transeuntes a pararem, ficando observando o resultado do ocorrido, dentre eles estudantes daquela turma. E, um deles, tempos depois festejado árbitro e comentarista radiofônico do futebol cearense, não se conteve e gritou: “Bota na minha conta!”.
Respostar, mais alto e forte, saiu de um dos carreteiros que desembarcavam os produtos: “Tu não é besta, não, rabo de burro? Donde já se viu pobre pagar conta de rico?
*Geraldo Duarte é advogado, administrador e dicionarista.
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