ARMAS E CRIMES
O
decreto presidencial sobre posse e porte de armas de fogo reanimou o debate
sobre o assunto. Paixão política, senso comum, pesquisas de instituições prestigiosas,
conduzidas por gente igualmente renomada, juízos influenciados por emoções e a
vontade de ser ou aparentar virtude e sabedoria fornecem combustível para o
assunto. Tentando compactar o assunto no espaço limitado de um simples ensaio
jornalístico, podemos enumerar algumas perguntas, no estilo da maiêutica socrática.
A
primeira pergunta é: pesquisas sérias, produzidas por especialistas respeitados,
no âmbito de instituições prestigosas, podem apurar o “saldo” positivo ou
negativo de um fator que se pretende avaliar, contabilizando só o “débito”, sem
o registro do “crédito”? Lembremos que não existe registro da violência evitada
pelo efeito dissuasivo das armas. Ninguém faz um boletim de ocorrência (que é
importante fonte das estatíscas na área criminal) por ter sacado uma arma e
evitado um crime. Também não procura a polícia para dizer que reagiu e matou o
ladrão. Lembremos que só uma parcela ínfima dos crimes são apurados no Brasil.
A
segunda indagação é: a parêmia “quanto mais cabra mais cabrito” se aplica ao
número de armas e as probalidades de homicídio? Lembremos que a violência letal
se relaciona com um grande número de fatores e é difícil isolar um deles.
Estados cuja população é mais armada, como RS e SC, têm menos crimes que estados
nos quais a população é menos armada, como CE, RN e AL.
A
terceira questão é: o sujeito da ação é o homem ou a arma? No trânsito não se
fala em “mortes por automóveis”, no uso de asa delta não se fala em morte por
asa delta.
Quarto
quisito: a ocasião faz o ladrão? Este é pressuposto da ocorrência de homicídios
“só porque havia uma arma disponível”. O psiquiátra forense Anthony Daniels,
conhecido como Theodore Dalrymple, com mais de trinta anos de experiência
forense, diz que a maioria dos crimes havidos como decorrentes de um momento de
descontrole são apenas desculpa usada pela defesa do réu. Mas ainda que tais
crimes sejam numerosos, qual a parcela deles no Brasil? Isto é, se retirarmos
as mortes por disputa de território, combrança de dívida no mundo das drogas,
ciclos de vingança nas guerras de gangs, enfrentamentos entre policiais e
bandidos ou entre entre bandidos, balas perdidas, mortes decorrentes de outros
meios letais, o que sobra para os crimes ocasionais mediante o uso de arma de
fogo? Os “ladrões” ocasionais são numericamente expressivos?
Quinta
dúvida: o direito à autotutela pode e deve ser abolido? Sem meio eficaz o seu
exercício será preservado?
Sexta
lacuna a ser preenchida no debate: o Direito Penal deve tipificar o crime de
perigo abstrato? Caso assim proceda, o que restará do campo da licitude?
Sétimo
pedido de esclarecimento: o referendo de 2005, sobre comércio de armas, vale
para a posse e o porte? Quem herdou, recebeu de presente ou comprou antes da
consulta ficaria impedido de ter ou usar arma, segundo a pergunta formulada no
referendo? Ou o referendo pretendia legitimar uma lei consultando matéria
diversa na contida no diploma legal? Tendo sido feita uma pergunta diversa do
que seja desarmamento e tendo sido rejeitado nas urnas, o Estatuto em questão é
legítimo?
D. Quixote queria muito
ser herói. Nicolau (1469 – 1527) Maquiavel disse que o importante não é ser
virtuoso, mas parecer virtuoso. Por mais que queiramos combater o mal ou
aparentar virtude, não tem alguma coisa errada no discurso desamamentista?
Fortaleza, 13/5/19.
Rui Martinho Rodrigues
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