Médicos receberiam comissão de até 20% sobre produtos
Por Nícolas Paulino / Valdir Almeida / Emerson Rodrigues, seguranca@verdesmares.com.br
Os profissionais de ortopedia, normalmente remunerados por entes públicos ou com recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) destinados a intervenções cirúrgicas, receberam quase R$ 2 milhões em quatro anos, segundo a PF
Um esquema criminoso de fornecimento de material médico-cirúrgico ao Sistema Único de Saúde (SUS) está sendo investigado pela Polícia Federal (PF) no Ceará, dentro da Operação "Fratura Exposta", deflagrada na manhã de ontem. A reportagem do Sistema Verdes Mares apurou que os médicos ortopedistas envolvidos na fraude receberiam comissões de até 20% sobre o valor dos produtos. Só entre os anos de 2013 e 2016, teriam sido movimentados cerca de R$ 1,8 milhão.
A associação criminosa, de acordo com a investigação, seria formada por representantes da empresa Ortogênese Comércio e Importação de Materiais Médicos e Cirúrgicos Ltda. E profissionais do Instituto Dr. José Frota (IJF), administrado pela Prefeitura de Fortaleza; do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), gerido pelo Governo do Estado; do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), do Governo Federal; e do Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar (ISGH), contratado pelo Estado do Ceará para o gerenciamento do Hospital Regional do Cariri.
Os servidores dos setores de ortopedia das unidades travavam acordos com empresas importadoras para somente aceitar trabalhar com prótese, órteses e demais instrumentos cirúrgicos importados pelas mesmas. Pela origem estrangeira, os preços são mais elevados; assim, os médicos realizavam a cobrança de comissão indevida sobre os valores, onerando os pagamentos dos procedimentos cirúrgicos feitos pelo SUS, como explicou em nota a PF.
A reportagem apurou ainda que durante o processo havia uma combinação entre os fornecedores para não se habilitarem nos procedimentos licitatórios realizados pela rede pública, de modo que a compra era realizada de forma emergencial e sem licitação por força do cumprimento de determinações judiciais. Em seguida, os médicos apontavam a empresa que forneceria o material importado.
Alvos
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Dois mandados de prisão temporária foram expedidos em desfavor dos empresários responsáveis pela Ortogênese, Silvio Roberto Lourenço Cavalcanti e Deivid Guedes Aguiar. Silvio Roberto não foi localizado, pois está nos Estados Unidos. Já Deivid Aguiar está preso temporariamente. A PF solicitou ainda a prisão temporária de 11 médicos ortopedistas, mas os pedidos não foram acatados pela Justiça Federal.
Foram cumpridos ainda 26 mandados de busca e apreensão na sede da empresa, no bairro Aldeota, em duas clínicas em Fortaleza e em imóveis dos médicos e dos empresários, na Capital e no município de Eusébio. Também foi realizado o sequestro de bens de 14 envolvidos.
Cerca de 80 policiais federais executam as medidas, expedidas pela 11ª Vara da Justiça Federal no Ceará. Diversos profissionais de saúde foram ouvidos ontem e devem continuar a ser ouvidos hoje.
A PF informou que a investigação foi iniciada em 2016, a partir de notícia-crime direcionada à Superintendência Regional da Polícia Federal no Ceará, e compreende procedimentos cirúrgicos realizados entre 2013 e 2018. Segundo apurado até o momento, somente entre os anos de 2013 e 2016, os investigados teriam recebido cerca de R$ 1,8 milhão em vantagens indevidas.
Os envolvidos poderão responder pelos crimes de associação criminosa e corrupção ativa e passiva, cujas penas variam de dois a 12 anos, de acordo com o nível de participação. O Ministério Público Federal (MPF) declarou que acompanha o inquérito que apura o caso e aguardará a conclusão das investigações para se manifestar.
A Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) informa que ainda não foi notificada da operação desencadeada pela PF e que, por meio da Procuradoria Geral do Estado (PGE), está solicitando informações sobre as investigações. Afirmou ainda "que é de seu total interesse que todos os fatos sejam devidamente investigados e que os envolvidos em qualquer irregularidade sejam punidos dentro da lei".
Por sua vez, o Hospital Universitário Walter Cantídio informa que seu fluxo de aquisições de insumos ortopédicos "segue rigorosamente a Lei 8.666/93 (Lei Geral de Licitações e Contratos) e que está à disposição das autoridades competentes para os esclarecimentos necessários".
Já o Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar (ISGH) ressalta que solicitou informações à Polícia Federal sobre a Operação e reforça "o compromisso e o apoio aos órgãos de segurança com interesse na apuração das irregularidades e punição aos envolvidos". Ressalta, porém, o compromisso com a transparência e o controle que fizeram o Hospital Regional do Cariri conquistar o certificado de excelência Nível 3 da organização normatizadora oficial do padrão qualidade de serviços de saúde no Brasil.
Posicionamento
O Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará (Cremec), por meio do secretário-geral Roberto da Justa Pires Neto, declarou que não havia sido notificado oficialmente até a tarde de ontem, e que aguarda desdobramentos do caso para se manifestar.
Outro hospital a se posicionar foi o Instituto Doutor José Frota (IJF). Por meio da direção, o Instituto disse não ter sido notificado oficialmente nem recebido qualquer informação oficial dos responsáveis pela investigação: "Em tempo, o hospital reafirma sua disposição para a colaboração com todos os órgãos fiscalizadores", disse a nota.
Ainda durante a tarde de ontem, a reportagem tentou contato com a Ortogênese e com a defesa dos responsáveis pela empresa por e-mail e por telefone. Na ligação atendida foi informado que não havia ninguém que pudesse se manifestar acerca da investigação. Até o fechamento desta edição, o contato feito via e-mail também não foi retornado.
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