A CRÍTICA SOCIAL
Um professor de literatura, na
Inglaterra, orientou a produção de um conto: um escândalo sexual, um mistério e
a família real poderiam torná-lo mais atraente. Um rapaz fez o “dever de
classe” escrevendo o seguinte texto: “a rainha está grávida e não se sabe quem
é o pai”. A crítica social também tem uma receita mais diversificada. Defenda a
igualdade, mas de modo vago. Não faça distinção entre desigualdade (que é
jurídica, social, cultural) e diferença (que é física, legítima ou natural).
Não distinga entre igualdade de todos em tudo; de todos em algo; de alguns em tudo;
de alguns em algo; nem entre a igualdade de oportunidades e a de resultados. O relativismo
servirá de panóplia. Não existindo verdade você jamais estará errado. Mas não
deixe de invocar a verdade contra quem diverge de você. A dialética, que Lucio
Colletti (1924 – 2001) considerava uma senhora de costumes cognoscitivos fáceis,
será de grandr ajuda. Permite contradições escudadas na tese da unidade dos
contrários. Use conceitos indeterminados, como justiça e dignidade humana. A
exemplo do que ocorre com as obras de arte, cada um entenderá ao seu modo.
Joaquim Maria Machado de Assis (1839 – 1908), no conto Teoria do Medalhão, já
recomendava o discurso vago como forma de contornar divergências e aparentar
sabedoria.
A responsabilidade individual por crimes
deve ser abolida ou minimizada, mas seletivamente. Negue a possibilidade de
escolha livre e consciente. Ninguém perceberá que isso é incompatível com a
democracia. Atribua as nossas decisões e condutas às estruturas sociais,
políticas, econômicas e culturais e o transgressor será vítima. Mas seja
seletivo. Aponte a pobreza como causa do crime, ignorando a criminalidade dos
ricos, sem deixar de condená-los, conforme a conveniência. Isso faz sucesso e a
contradição não será percebida ou a senhora de costumes cognoscitivos fáceis o
absolverá. Também não notarão que se a pobreza levasse ao crime, então os
pobres seriam criminosos ou, no mímino, suspeitos, o que é um preconceito
perigoso.
Pregue a solidariedade. Mas tenha o
cuidado de estatizar as obrigações daí decorrentes, para que elas não recaiam
sobre os seus ombros, mas sobre o Estado, cujo financiamento será parte do
redistributivismo fiscal. Sim, distribuir a renda não pode faltar. Mas a renda
a ser distribuída é a de quem ganha mais do que você, pois não seria preciso o Estado
distribuir os seus próprios haveres. Proponha colher sem plantar. É a velha
promessa muito simpática, da deusa grega Bem-Aventurança, mulher formosa e
sedutora, que os críticos chamavam de Mentirosa. Confunda Direito com
patrocínio e transforme direitos sinagmáticos com direitos potestativos, na
forma de crédito sem obrigação. Direitos humanos devem ser ampliados até
alcançar toda elástica categoria das chamadas necessidades básicas ou direitos
sociais. Afaste a ideia de esforço, superação, responsabilidade, perseverança e
outras virtudes. São valores desconfortáveis.
Pregue a necessidade de ter a mente aberta,
mas aferre-se às suas convicções, não importa que elas tenham sido desmentidas
pelos acontecimentos históricos em todas as suas experiências. Basta apoiar-se
em autores de grande prestígio, de preferência que sejam muito lembrados, pouco
lidos e ainda menos compreendidos. Não é preciso ser virtuoso, basta aparentar
virtude, já dizia Nicolau Maquiavel (1469 – 1527).
Porto Alegre, 2 de fevereiro de 2019.
Rui Martinho Rodrigues.
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