O
PECADO DE MANIPULAR O GENOMA HUMANO – QUE NEPOMUCENO TEM A VER COM ISSO?
Em
28-11-18 foi comunicado fato (a ser comprovado) destinado a ser passo
revolucionário na História da Medicina. O pesquisador chinês He Jiankui
anunciou duas bebês (Lulu e Nana), cujo genoma foi modificado por ele. A
façanha foi vista como verdadeira ruptura na criação do homem e como impensável
possibilidade de controlar a evolução das espécies. A tecnologia consiste na
precisa manipulação do DNA da célula germinativa, por meio de nucleases
programáveis (sistema CRISPR/Cas), capaz de corrigir ou introduzir mutações,
trazendo a esperança de curas de doenças ou então o temor de inimagináveis
maldades. O filho da nepomucenense Mariana Veiga, João Batista Veiga Sales,
brilha na história dessa tecnologia. Nos EUA, ele colaborou com o asturiano
Severo Ochoa, que, com Arthur Kornberg, recebeu o prêmio Nobel em Medicina de
1959, pela descoberta da síntese do DNA.
Em
dezembro de 1969, o professor Aparício Silva de Assis realizou o primeiro
transplante de órgãos, no caso o rim, em Minas, sendo o segundo do Brasil.
Depois, o cirurgião me pediu para ser o co-orientador da tese, também pioneira,
de meu fraternal amigo e ex-colega de república Francisco Ozeias de Carvalho,
sobre a avaliação dos transplantes até então realizados. Os elogios que o
mestrando recebeu foram tantos que o Aparício propôs um livro sobre ética dos
transplantes e me pediu uma introdução histórica, a partir da ética da
transfusão de sangue.
O
Aparício vinha conversando comigo sobre isso, principalmente a propósito da
publicação do Simpósio Ciba intitulado ETHICS IN MEDICAL PROGRESS: WITH
SPECIAL REFERENCE TO TRANSPLANTATION, de 1966. Ele convidou co-autores e a alguns deles assustou
a abrangência corajosa do livro, com tópicos melindrosos: por exemplo, a
possibilidade do comércio de órgãos, a interface com a religião ou o conflito entre
especialistas. Daí que a obra ficou emperrada, mas, se fosse publicada, teria
sido pioneira, mesmo fora do país. Minas Gerais, aliás, sempre teve
responsabilidade histórica no trato da ética, desde a tese ENSAIO
SOBRE O ESTUDO DA VIDA, defendida com brilho na Faculdade de
Medicina de Paris, em 1837, pelo médico mulato mineiro Camilo Maria Ferreira
Armond, mais conhecido como Conde de Prados. Foi um texto elaborado em momento crucial
de guinada doutrinária da medicina e hoje pode ser lido em português, na
tradução feita por meu distinto ex-aluno e abnegado historiador da medicina
barbacenense, Paulo Maia Lopes.
O
abortamento daquele livro nos poupou de sermos transformados em bioeticistas,
uma especialização que denunciei depois como espúria. Minha denúncia ocorreu
depois de minha participação no Comitê de Ética da Pesquisa da UFMG e deriva
das seguintes perguntas, que flagram o farisaísmo inerente a tais
especialistas. Como explicar que aos hospitais, principalmente aos
universitários, seja exigido rigoroso controle ético da pesquisa em sujeitos
humanos, sem que igual exigência seja feita para os aspectos éticos do ensino e
da atenção à saúde? E por que o conselho
nacional que trata da atenção à saúde deixa de cuidar da ética desta atenção
para cuidar da ética da pesquisa? Por que o conselho nacional que trata da
pesquisa não cuida da ética da pesquisa? Por que o conselho nacional que trata
da educação não cuida da ética da educação? Por que as convenções sobre
bioética são financiadas por corporações privadas, envolvidas no gigantesco
lucro potencial da terapia genética?
O
tumulto internacional causado por He Jiankui tem muito a ver com tais
perguntas.
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