O
ÓDIO
Há
uma exacerbação do ódio. Redes sociais, discursos políticos, convivência em
sociedade, inclusive nas famílias, apresentam um animus exaltado. O fenômeno tornou-se mais visível há uns poucos
anos. Mas não é tão recente. A violência física, de grande magnitude em quase
toda a América Latina e no Brasil em particular, ocorre paralelamente ao
crescimento da violência simbólica nos dois lados Atlântico Norte.
O
crime vulgar começa a ser compreendido pelo ângulo da teoria da janela
quebrada, que estabelece correlação entre abandono ou descaso e delinquência.
Some-se a isso a rapidez e a profundidade das transformações culturais,
produzindo choque e desorientação típicos da aculturação. O abandono e o
descaso remetem ao problema da impunidade e ausência do Estado em todos os
sentidos.
Muito
se fala na contribuição das redes sociais para a exaltação dos ânimos. Manifestações
sem contato pessoal, aparentemente anônimas, facilitam a manifestação de
expressões grosseiras. A tribuna universal, dada a quem não tinha nenhum canal
de expressão, liberou as vozes menos afeitas ao debate racional e à
cordialidade. O despreparo de quem não sabe discutir ideias nem tem argumentos
tende para o ataque pessoal.
Mas
o problema é mais complexo, sobretudo no campo da política. Existe a
incomunicabilidade dos paradigmas, segundo Thomas Kuhn; ou obstáculo
epistemológico, nos termos de Gaston Bachelard. O primeiro entende que os
pressupostos subjacentes ao que é dito, por envolventes e numerosos, não podem
ser explicados. Entre as bases de todo raciocínio existem escolhas axiológicas nas
premissas subentendidas. Tal valoração seria incomunicável, para Kuhn.
Bachelard
entende que o conhecimento, embora nos permita ver mais, restringe o campo de
visão, como um microscópio. Por isso a comunidade científica é incapaz de
compreender as revoluções ciência, ressalta Kuhn.
Não
compreender as razões do diferente está a um passo de atribuir má-fé,
interesses particularistas ou projetar a própria ignorância no outro. A
ignorância acomete inclusive os doutores que não são doutos, em tempos de
especialistas que sabem tudo de nada.
A
substituição do exame dos fundamentos das teses debatidas pelo ataque a pessoas
ou grupos sociais é uma tática solerte e insidiosa, praticada conscientemente
por uns; ou por mera imitação em outros casos. A tática de semear o ódio está
elevando a temperatura das relações sociais no mundo inteiro. A era dos
ressentidos, da exploração das mágoas dos que sofrem injustiças potencializa os
conflitos. Explicações simplistas, que apresentam as desgraças do mundo pelo
prisma das teorias conspiratórias, têm grande parte da responsabilidade pelo
atual clima de beligerância. Formadores de opinião adotam esta atitude. Em
vinte minutos de um discurso pode-se contar vinte e sete alusões à “classe
média alta, branca e cristã” como responsável pelos males do mundo. Cegueira
dos paradigmas, ou tática insidiosa de soldado disciplinado cumprindo ordens ou
de ativista fanatizado, o efeito da exploração das emoções é lastimável.
Fortaleza,
22 de novembro de 2016
Rui
Martinho Rodrigues
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