Da Liberdade de
Pensamento
Januário Bezerra
Conforme divulgado, o tema proposto para análise literária é a liberdade de pensamento. Assim, permito-me
alinhar considerações a respeito. Trata-se de algo inerente ao homem,
constituindo legitimamente um direito fundamental, enquanto o seu exercício ou
a tentativa de praticá-lo remonta à origem da sociedade e, ao longo do tempo,
tem possibilitado o próprio evoluir da cidadania, conceito, aliás, que nos foi
legado pela cultura helênica e até hoje o brasileiro se mostra refratário à
ideia de implementá-lo plenamente.
Na Idade Média, ou antes até, questões relacionadas ao binômio razão &
fé muitíssimo dificultaram ao homem o enfrentamento das questões existenciais,
por obra e graça da ação de manipuladores, que ainda hoje insistem na
utilização de artifícios, envolvendo a definição do que é sagrado, profano,
individual e coletivo, para alimentar tabus e idiossincrasias, responsáveis não
apenas pela tentativa velada de impedir o progresso, mas, principalmente, pelo
direcionamento das massas no rumo de uma involução perigosamente ameaçadora. A
intransigência, o fundamentalismo, o açodamento marcantes nas relações entre
indivíduos e povos, neste começo de milênio, por exemplo, acaba por tornar sombrio
o futuro da humanidade, que há praticamente 70 anos espera possa A Declaração Universal dos Direitos Humanos deixar de ser
mais um rasgo de retórica, para vir a significar, de fato,
“(...) o ideal comum a ser
atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada
indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se
esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses
direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter
nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua
observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios
estados-membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição."
Clara está, portanto, a
primeira inferência a se fazer: sem educação, conhecimento, saber, não se chega
a lugar nenhum. No preparo intelectual, na instrução, na cultura, é que se
encontra a verdadeira ligação do homem com o universo, de modo a proporcionar o
pleno usufruto da inteligência e da criatividade.
No caso do Brasil,
especificamente, a liberdade de pensamento (sujeita, no mais das vezes, a
“chuvas e trovoadas”) passa por peculiaridades históricas que permeiam a saga
nacional, e vão desde a excessiva omissão gerencial que originou as capitanias
hereditárias, com escala na promulgação da famosa Lei Áurea, − referência-mor
ao derradeiro país que libertou a mão de obra escrava em continente americano,
− até a proclamação da República, concebida por generais amigos de sua
Majestade, o Imperador e que, agora, expõe aos quatro cantos da Terra as
próprias vísceras, sob o efeito de procedimento judicial conhecido pela
expressão Lava-Jato. Como pensar, do ponto de vista prático, em liberdade de
pensamento ante um Estado congenitamente condescendente e contumaz em omissões? Isto para não falar nos recorrentes
surtos de totalitarismo, tão degradantes para a história nacional. A performance do Estado brasileiro, sempre a
reboque de uma elite plutocrática que nada tem a ver com os anseios populares,
acaba produzindo extravagâncias estatísticas, como, por exemplo, o país ocupando
o 6º ou 7º lugar na economia do mundo, enquanto a qualidade de vida de seus
cidadãos, para a imensa maioria, se assemelha ao que ocorre na Somália ou, quem
sabe, no Saara Ocidental ou no Sudão.
Para os organizadores do
sarau, a abordagem da liberdade de pensamento deve ater-se ao ponto de vista do
escritor. Ainda assim, há peculiaridades a considerar no caso brasileiro. Uma
delas, bem a propósito, é o endêmico desinteresse popular pelo futuro
institucional do país (e aqui não se pode excluir nem mesmo algumas camadas
sociais de melhor escolaridade), em face da apatia política congênita − um dos
grandes traços da cultura nacional. Neste contexto, vale lembrar: a imprensa, que
em todos os lugares muito colabora na formação de opinião, enquanto contribui
para sedimentar a consciência cívica, no país descoberto por Cabral se sustenta
a futebol, crônica policial e escândalos. Isto, talvez, por conta até mesmo de
como se deu o seu surgimento na então colônia portuguesa. Tudo começou em 1808, com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, sendo até então proibida
toda e qualquer atividade editorial — fosse a publicação de jornais, livros ou panfletos. Esta era uma
peculiaridade da América Portuguesa, pois, nas demais colônias européias no continente, a
imprensa se fazia presente desde o século XVI.
A atividade da escrita – convém lembrar – tem ligação
visceral com a leitura. E, infelizmente, este hábito (salutaríssimo!) não faz parte
do cotidiano do nosso povo. Certamente, por conta de tudo que aqui já foi dito
e, notadamente, da referência feita no final do parágrafo anterior. O hábito de
ler é, bem o sabemos, grande indutor da escrita. Esta, em última análise, a
maneira mais adequada ao exercício do livre pensamento. Quem sabe, por aí
encontraríamos saída para melhor compreender e estancar o crescente fechamento
de livrarias e o vertiginoso esvaziamento axiológico da sociedade brasileira. Coincidência
ou não, lembrei-me agora de um velho professor, para quem o homem comum não é
obrigado a sedimentar qualquer estilo no que faz. O uso documental, porém, que
ele venha a fazer do vernáculo, com consciência, propriedade e acerto, é apenas
um dever de cidadania.
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