Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

sábado, 27 de setembro de 2014

Sonetos Cearenses


Regina

JOSÉ ALBANO
(* 12 de abril de 1882 Fortaleza
+ 11 de junho de 1923 Paris)


Dona de formosura peregrina,
Soberba, soberana, poderosa,
Passa a rainha altiva e majestosa,
E humilde a corte em derredor s’inclina.

Arfa-lhe o lindo colo que alucina,
Brilha a constelação maravilhosa
Dos olhos – e viceja a doce rosa
Dos lábios, perfumada, purpurina.

E passa a linda e encantadora imagem,
E oscila a lampejar, etérea e ardente,
De sua vista a estranha luz fatal.

E o solitário e apaixonado pajem
No coração, morto de amores, sente
Daqueles negros olhos, o punhal!



A curva do Destino

JOSÉ PIRES
(Jornalista – O Estado, A Razão, Gazeta de Noticias)


Some-se a estrada nas floresta turva,
Onde o sol ao cair no chão parece
Transforma-se em estrelas... Sobe e desce
Os alcantis da serra, numa curva.

E eu subo e desço e sinto que se enturva
No mistério da volta, no interesse
Do inexistente, a sacrossanta messe,
Promissora, da estrada que se encurva...

O futuro é uma curva que se lança
No infinito das sombras... tendo o luto
Do presente e as promessas da esperança.

Louco viajor, caminho resoluto!
Sigo... Mas sinto a mágoa que balança,
Incógnita na curva de um minuto...




O Destino

J. ALBERTO
(Jornalista – Correio do Ceará e Gazeta de Noticias)


O sujeito é um sujeito irreverente,
A zombar, todo instante, dos mortais:
Ora os conduz, em triunfo, para a frente,
Ora os tange, vencidos, para trás...

E, à força de mostrar-se onipotente,
Vejamos nós o que o Destino faz:
–  Humilha o que valor possui, realmente,
– Exalta o que valor teve jamais...

Não é o mérito o preço da ventura.
O êxito humano está na curvatura
De uma espinha dorsal ante o MILHÂO...

Porém, se hás de ascender assim na vida,
Prefere tu, mil vezes, a subida
Honra de te arrastares pelo chão!


Margarida

J. FERNANDES
(Jornalista – Gazeta de Noticias e O Estado)


Muitas vezes sonhei que, no jardim da vida,
Havia de apanhar a rosa desejada;
E quando lá cheguei, com minh’alma iludida,
Quis colher no rosal a flor enamorada.

Mas foi tudo ilusão, esperança perdida!
A flor que eu desejei, a flor mais perfumada
Que eu sonhara alcançar, foi, ela, Margarida!
Partiu. E nunca mais olhou-me apaixonada...

Que flor celestial! Que flor mimosa e pura!
Num beijo ela me trouxe o Amor e a Esperança...
Na vida ela me deu ventura e desventura.

Que me resta, afinal, nas cinzas da amizade?
– Daqueles tempos bons, só tenho uma lembrança
– Do nosso grande amor só resta uma saudade!





Engenho Livramento

LOSÉ VALDEVINO DE CARVALHO
(Jornalista – O império e Gazeta de Noticias)


É o sítio que recordo, quando em quando,
Jardim, saudoso, de arvores risonho...
Éden querido; me aparecem em sonho
Seus mangueirais tristonhos ramalhando...

A casa, o engenho, o canavial tristonho,
O rio, a serra, o coqueiral pensando...
Na saudade de tudo, recomponho
A orquestração dos pássaros cantando...

É ele que minha alma, em vão, procura,
Que meus olhos saudosos querem ver,
Numa ânsia de cor e de amargura...

Meu espírito, a chorar, braceja, a esmo,
Procurando, na angústia do meu ser,
Este resto distante de si mesmo...




A Árvore Apedrejada

JÚLIO MACIEL
(Poeta e Magistrado)


Essa árvore da estrada, aos céus a fronde opima,
As raízes ao chão, na labuta sagrada,
Tem sempre a fronde oferta a que se lhe aproxima
E a seu tempo dá flor – pesar de apedrejada!

Sonhador pertinaz, veterano da Rima,
Que exemplo, para ti, nessa árvore da estrada!
– Se o teu sonho te escuda o e teu estro te anima,
O insulto é inofensivo e é perdida a pedrada.

A Árvore-símbolo eu lhe rendo o meu tributo,
E me conforto quando, em meio à audaz peleja
Travada em prol do sonho, os ápodos escuto.

Amo a árvore fecunda, a mater benfazeja,
Que continua dando a sombra, a flor e o fruto,
Indiferente à mão que os galhos lhe apedreja...




O Velho Poeta

JUVENAL GALENO
(Fortaleza – 1836 – 1931).


Se vires um poeta encanecido,
Dos amigos doutrora abandonado,
Sem vista para ler, mas, conformado;
Da rua nas palestras esquecido...

Na cidade natal desconhecido,
No país em seus versos celebrado,
E entre o povo, por quem fora escutado,
Muitas vezes, então, desvanecido...

Ai! Sou eu que, morrendo nos meus lares,
Deixarei Omo herança à pátria amada
Minhas Cenas e Lendas Populares...

E voando das almas à pousada,
De lá espero ouvir os meus cantares
Consolando a pobreza malfadata.




Renúncia

LEÃO DE VASCONCELOS
(Advogado e Poeta)


Uma noite (recordo-me) disseste:
“Vai e não voltes a cruzar-me a vida...
Tudo está findo entre nós dois... olvida...”
E para o último adeus a mão me deste.

Senti cair na fronte enfebrecida,
Um mundo, nessa noite, aziaga e agreste.
Nunca mais me esqueci do que fizeste,
Ó enganadora terra prometida...

Livre devias ser e não como eras!
Mas porque foi que sem poder amaste
E abriste aos sonhos meus tantas quimeras?!

E sem te compreender, indago, triste:
– Se não querias, para que chegaste?!

– Se me querias, para que fugiste?!

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