Em clima de estiagem, a voz da experiência
Com o título “O Açude Castanhão e a cidade de Jaguaribara”, eis artigo do professor e engenheiro Cássio Borges, nome que dispensa comentários em se tratando de debate sobre questões hídricas e, principalmente, DNOCS. Nestes tempos de estiagem, Cássio Borges nos manda este bom mote para reflexões. Confira:
No tradicional planejamento do DNOCS para o vale do Rio Jaguaribe constava o Açude Castanheiro, no Rio Salgado, em Lavras da Mangabeira. Seria uma bela barragem de apenas 40 metros de comprimento. Sua vazão regularizada poderia ser da ordem de 9,00 m3/s, segundo o DNOCS. Sem dúvida, esta represa seria mais um reforço para a Região Metropolitana de Fortaleza, mas ela, lamentavelmente, foi excluída da programação pela Secretaria de Recursos Hídricos do Estado do Ceará para não prejudicar o Açude Castanhão que ficaria sem receber os deflúvios (vazões naturais) oriundos do Rio Salgado, principal afluente do Rio Jaguaribe por sua margem direita.
No artigo “AÇUDE CASTANHÃO: COMO UTILIZÁ-LO”, publicado pelo Jornal “O Povo” em 06/06/13, eu disse que “A continuar com a política de recursos hídricos do Estado do Ceará, há 28 anos estabelecida por sua Secretaria de Recursos Hídricos, a questão da seca está longe de ser equacionada”. Referindo-me especificamente ao Açude Castanhão eu dizia que o referido reservatório havia sido construído na cota 50m, “às portas do litoral cearense onde não há ocorrência de secas”. Citei alguns municípios onde já existe ou está na iminência de faltar água até para o consumo humano. Mas o Açude Castanhão por ter sido construído quase na foz do Rio Jaguaribe, portanto em cota muito baixa, não tem condições econômicas de suas águas serem bombeadas para solucionar problemas em cidades do Estado do Ceará de cotas muito elevadas onde predomina a caatinga. São casos como as cidades de Canindé (a apenas 90 quilômetros de Fortaleza) e Crateús ambas em cotas 148m e 281,8m, respectivamente. Canindé está a 130 quilômetros do Açude Castanhão, enquanto Crateús está a cerca de 250 quilômetros deste reservatório. Tauá está na cota 402m distante 350 quilômetros do Castanhão. São apenas alguns poucos exemplos, entre muitos, que mostram a inviabilidade técnica/econômica de levar água do Açude Castanhão para “socorrer” o abastecimento de água dessas cidades citadas. Há tempos estes problemas já deveriam ter sido solucionados com obras de açudagem simples previstas no planejamento do DNOCS.
Ao concluir, refiro-me ao artigo do ilustre Prefeito de Jaguaribara, Francini Guedes, publicado no Jornal “O Povo” no dia 22 de julho último, denominado “COMO APRIMORAR O USO DO CASTANHÃO”. Gostaria de lembrar ao distinto Prefeito que a discussão em torno do Açude Castanhão, que durou 14 anos, foi quanto ao seu porte alto acumulando 6,7 bilhões de m3 de água. Se este reservatório tivesse sido construído com, no máximo, 1,2 bilhão de m3 a cidade de Jaguaribara e seu povo não teriam sido sacrificados. Sua vazão regularizada nesta situação seria de 12,00 m3/s. À época não se falava em Porto do Pecém, nem em refinaria e nem em siderúrgica. Mas todos usos seriam atendidos com sobras, visto que as duas indústrias citadas necessitam de apenas 3,00 m3/s para seu funcionamento sem se falar na possibilidade de reuso (reaproveitamento) das águas servidas da capital cearense a partir da estação de tratamento situada na Barra do Ceará. A Região Metropolitana de Fortaleza-RMF na ocasião das referidas discussões já contava com os Açudes Orós (12,00 m3/s) e Banabuiú (11,00 m3) e mais recentemente com o Açude Figueiredo (2,00 m3/s) concluído pelo extraordinário DNOCS no final do ano passado. São detalhes que a sociedade por si só, não tem condições técnicas de assimilar e de perceber precisando de esclarecimentos (contra-ponto) para não ficar à mercê de falsas e distorcidas interpretações.
Seria oportuno ainda lembrar que o Açude Castanhão também constou no Tribunal da Água (uma analogia do Tribunal Internacional da Água com sede em Copenhague, Dinamarca) promovido, em Florianópolis, pela Fundação Água Viva da Universidade Federal de Santa Catarina. O referido Tribunal, um júri simulado, foi composto de um Presidente, de sete jurados, de uma Comissão de Peritos e de uma Secretaria Administrativa. A Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará e o DNOCS mandaram para esse encontro dois dos seus mais destacados engenheiros. O julgamento do Açude Castanhão ocorreu no dia 28 de abril de 1993. No final, este empreendimento foi reprovado por sete votos a zero “indicando todos os erros nele contidos, tanto sob a ótica técnica, como econômica, social e ambiental”.
* Cássio Borges,
Engenheiro civil e especialista em recursos hídricos e barragem.
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