Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

UM DILEMA ECONÔMICO Fortaleza, 16/11/21. Rui Martinho Rodrigues.

 UM DILEMA ECONÔMICO


Dilemas, do pondo de vista filosófico, na perspectiva da lógica sentencial,

são raciocínios que têm como base duas proposições divergentes e excludentes,

exigindo necessariamente a uma escolha, devendo chegar a uma conclusão decorrente

tanto da premissa adotada como da rejeitada, uma vez que a escolha por exclusão pode

se fazer presente. Os dois termos antecedentes, do conjunto dos termos do dilema são

condicionantes e o terceiro uma disjunção (J. Ferrater Mora, 1912 – 1991). A conclusão

pode ser uma disjunção, uma afirmação ou negação. O dilema é de natureza ética

quando envolva valores axiológicos em conflito, que é uma pretensão resistida. As

condições transcendentais do agir moral são a existência de normatividade moral;

capacidade e consciência do sujeito da conduta; e liberdade do agente (Immanuel Kant,

1724 – 1804).


A economia é o lugar por excelência das escolhas nas condições

mencionadas. Os agentes econômicos não fazem tudo o que querem, nem somente o

que desejam. Mas algumas escolhas, ainda que entre opções pouco atraentes, são

realizadas nas transações diárias. Consumidores, investidores e autoridades econômicas

decidem com variado grau de satisfatividade, conforme sejam total ou parcialmente

atendidos ou inteiramente negados os seus interesses, paixões e valores.


A pandemia paralisou ou restringiu severamente grande parte da economia.

O primeiro dilema foi limitar as atividades que propiciavam a propagação do vírus,

ainda que prejudicando a economia. Salvar vidas, prioridade maior da que a economia,

foi a escolha em todo o mundo, em maior ou menor grau. A medida compensatória, na

forma de um auxílio emergencial foi a segunda escolha, também irrecusável, nas

circunstâncias. O equilíbrio fiscal foi sacrificado. A inflação, fera impiedosa, não

perdeu a oportunidade de agir em todo o mundo.


Agora a pandemia recua de modo significativo, sem fechar a porta para mais

uma onda em que as parcas (mitologia romana) ou moiras (mitologia grega) virão

surfando. Discute-se o fim do auxílio emergencial, decisão contrária ao interesse

eleitoral de alguns, aos sentimentos e interesses de muitos e à razão de poucos

preocupados com a estabilidade da moeda e o equilíbrio fiscal, cuja falta pode ser

dolorosa para os mais vulneráveis. É fácil conceder um benefício, mas retirá-lo é

politicamente difícil. Então surge a ideia de transformá-lo em programa de transferência

de renda, coisa geralmente aplaudida por muitos, exceto quando possa beneficiar


eleitoralmente o adversário. A bandeira da austeridade fiscal trocou de mãos e de lado.

Quem dizia que desequilíbrio fiscal é o caminho do desastre agora entende que na

presente circunstância ele é o mal menor. Quem achava que austeridade era coisa de

abutres farejando carcaças humanas agora se escandaliza com a flexibilização do

“famigerado” teto fiscal.


Assim caminha a humanidade e o Macunaíma ocupa um lugar de honra no

bloco dos artífices de problemas e de soluções éticas de conveniência. A moralidade de

ocasião não se confunde com a ética da responsabilidade nem com a da convicção. Tem

raízes nos interesses personalistas, embora seja invocada pelos arautos do interesse

público. A instabilidade dos significados recorre, frequentemente, a mutação semântica.

Lembrar que as línguas são vivas, ressignificar as palavras é um poderoso instrumento

de prestidigitação. Vivemos um tempo em que autores de nomeada, buscando arrimo na

sociolinguística, refazem sem cerimônia a língua, aparentando sabedoria conforme

conselho de Nicolau Maquiavel (1469 – 1527).


Fortaleza, 16/11/21.

Rui Martinho Rodrigues.

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