Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

FALTANDO (OU NÃO) COM O RESPEITO ... Antonio de Albuquerque Sousa Filho Prof. Ap. da UFC

 FALTANDO (OU NÃO)  COM O RESPEITO ...

Antonio de Albuquerque Sousa Filho

Prof. Ap. da UFC


Até o início dos anos de 1970, era costume em Viçosa do Ceará colocar cadeiras nas calçadas ao entardecer, para conversas que se alongavam até a hora de recolher. Vizinhos se somavam às rodas, os amigos e familiares aproveitavam para visitarem-se. Sem contar sobre as passagens rápidas de emissários novidadeiros e outras figuras típicas locais.  As portas das casas estavam sempre abertas dia e noite para acolher.


Parte considerável da população vivia da produção dos sítios próximos e as casas da cidade expunham e consumiam os produtos locais: bananas de diferentes variedades; mangas diversas; jacas; tangerinas; laranjas; mamões; arroz da terra; feijão e milho verdes; galinhas; perus; porcos (criados em casa ou nos sítios e alimentados com frutas); ovos caipiras; café secados nos terreiros das casas e torrado e pilado com rapadura ou açúcar mascavo. Havia oferta de tapiocas, roscas, bolos, biscoitos e doces variados, todos feitos em fogão à lenha, tachos de cobre ou forno de barro. Com a desculpa do frio, doses da cachaça produzidas nos diferentes alambiques existentes no município.


A feira livre, aos sábados, era atração principal do fim de semana, assim como a missa aos domingos, na Igreja Matriz. O maior movimento da cidade concentrava-se entre a Praça da Igreja da Matriz (Praça Clóvis Beviláqua) e a Praça General Tibúrcio. Nas madrugadas, era tradição a presença das serenatas, comandadas pelo Zé Músico, com seu violão e voz inconfundível.


Uma das rodas de conversa mais animada era a da calçada da família Pinho Pessoa, com os “causos” narrados por Pinho, Leorne, Hildo, Geminiano, Justiniano, Ernesto aos quais se juntavam, em determinadas ocasiões, Pessoa e Geraldo, residentes em outros estados. Um dos “causos” contados por Hildo, é o que dá título a presente narrativa.


Hildo de Pinho Pessoa, engenheiro agrônomo formado pela antiga Escola de Agronomia do Ceará, atual Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Ceará, turma de 1948. Também formado em administração pública pela Escola de Administração da Universidade Estadual do Ceará e destacado funcionário da Receita Federal do Ceará, onde ocupou importantes funções, inclusive em Brasília, como um dos assessores do então Ministro da Fazenda, Delfim Neto. Gostava também de tocar saxofone e era exímio contador de “causos.”


.Numa de suas histórias, Hildo viajava pelo interior do Ceará, a serviço, no início dos anos 1960. Estradas péssimas, estreitas, de piçarra, mal conservadas, lamacentas, perigosas. Chovia muito e ele chegou a Acopiara, por volta das 22.00 horas e procurou a pensão onde costumava se hospedar. Estava lotada. Ele insistiu e foi informado da possibilidade de armar uma rede no canto da sala de jantar, onde já havia uma pessoa deitada noutra rede, no canto oposto. A sala era iluminada apenas por uma vela.


Hildo deitou-se, mas o sono não veio logo. Mordido pela curiosidade, levantou um pouco a cabeça para ver quem estava na outra rede. A pessoa da outra rede mexeu-se e Hildo voltou à posição anterior, aguardando o sono que não vinha. Lá pelas tantas, tentou novamente ver quem estava na outra rede e ouviu aquela voz feminina: “ei moço, se você tá pensando em faltar com respeito, falte logo, que eu quero dormir.”

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