Na Hipocrisia do mundo você se descobre,
e, se encontra, quando vive um grande amor
Vicente Alencar

quinta-feira, 14 de julho de 2022

PERIGOS DA PAIXÃO POLÍTICA . Rui Martinho Rodrigues.

 

PERIGOS DA PAIXÃO POLÍTICA

A política impacta nos valores, interesses, segurança. Desperta medos. Tem a sedução do poder, influência e prestígio. Apaixona. Divisões e exacerbações podem eclodir nas suas disputas. Regras de convivência impessoais e formalidades moderam a tendência para o conflito. Parlamentos e tribunais, lugares de embate entre ideias e interesses, adotam formalidades como algodões entre cristais, com o tempo de fala administrado segundo normas explicitas e impondo que se tratem por excelência.

Organizações militares, com integrantes armados, raramente têm conflitos entre os seus membros. Hierarquia, regulamento disciplinar, formalidade, simbolismo da continência e o rito da ordem unida limitam os conflitos. Não coisas aplicáveis à vida civil, mas demonstram a importância da normatividade explícita e impessoal. Regras impessoais e um sistema de cargos e salários associados à meritocracia, nas empresas ou na caserna, juntamente com outros fatores, limitam as insatisfações.

A política não é meritocrática. Campanhas eleitorais não seguem formalidades amortecedoras de choque. No comício o adversário não é excelência. O eleitor age discricionariamente e nem sempre sabe o que sejam as doutrinas políticas, sociais e econômicas que enfeitam os discursos políticos. O espírito de torcedor de futebol contamina a política, paixão perigosa.

Olivier Nay (1968 – viva), em “História das ideias políticas”, diz que o embrião de democracia surgiu quando os gregos decidiram substituir a força física pelo debate de ideias para definir escolhas políticas. A violência, porém, sempre ronda a disputa pelo poder. O governo das leis, não dos homens, afasta casuísmos e exerce moderação. A publicidade dos atos administrativos (CF/88, art. 37) e dos atos processuais, ressalvados o interesse público e a intimidade de alguma das partes (art. 5, inc. LX) contribui para o mesmo fim. O sol é o melhor desinfetante (Louis Brandeis, 1856 – 1941, da Suprema Corte dos EUA).

Os gregos aperfeiçoaram as instituições (Evelyne Pisier, 1941 – 2017, em obra também intitulada “História das ideias políticas”, com regras escritas, claras e públicas, excluindo a discricionariedade dos tribunais. Isso os favoreceu nas Guerras Médicas, por não terem outro senhor que não as leis (Heródoto, 485 a.C. – 420 a.C., na obra “Histórias”). A judicialização da política é a substituição da visão substantiva da democracia constitucional pela prática procedimental, inspirada em Ronald Dworkin (1931 – 2013), segundo Luiz W. Vianna (1938 – vivo), em “A democracia e os três poderes no Brasil”. Tal não deu início a uma idade mais racional do Direito e da Democracia. Citando Jürgen Habermas (1929 – vivo), Vianna diz que a hermenêutica de Dworkin confia nas tradições e práticas constitucionais americanas.

No Brasil a judicialização da política ultrapassou os limites democráticos. A separação das funções do poder, de Charles-Louis de Secondat, barão de Montesquieu (1689 – 1755) foi rompida. As leis escritas, públicas e claras (governo das leis, não dos homens) acabou. A Nova Hermenêutica Constitucional e Carta Política total transformaram o STF em poder absoluto. A “interpretação conforme” [o entendimento do STF] diz que o escrito não vale e o substitui pelo contorcionismo hermenêutico. Poder dizer que pau é pedra é absolutismo, agravado pelas decisões monocráticas (ver “Os onze – O STF, seus bastidores, suas crises”, de Luiz Weber e Felipe Recondo). A “mutação constitucional” (diz que significado das palavras mudou, pela evolução da língua) é ato legislativo. O STF segue a tradição dos reis filósofos (Platão, 428 a. C.– 347 a.C.).

Advogados alegam não ter acesso aos autos de inquéritos no STF.

O voto é ato político. A apuração, ato administrativo sujeito ao princípio da publicidade. Urnas devem ser auditáveis. Criticar o piloto não é ataque ao modelo de avião. Criticar ministros não é ataque ao tribunal, é prerrogativa democrática.

A mudança cultural forçada desrespeita grande parte dos brasileiros. O STF legisla interferindo nos costumes, promovendo o “arejamento” da sociedade, como intelectuais ungidos (Thomas Sowell, 1930 – vivo, em “Os intelectuais e a sociedade”), invertendo o governo consentido pelos governados (John Locke, 1632 – 1704, “Segundo tratado sobre o governo”). Respeitam a cultura do índio, não os valores distintos de parte da sociedade, desencadeando a guerra hobbesiana de todos contra todos (Thomas Hobbes, 1588 – 1679, em “O leviatã”). A passionalidade é irracional, é convite à tragédia, como no episódio recente em Foz do Iguaçu.

Fortaleza, 12/7/22.

Rui Martinho Rodrigues.

 

 

 

 

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