PERIGOS DA PAIXÃO POLÍTICA
A política impacta nos valores,
interesses, segurança. Desperta medos. Tem a sedução do poder, influência e
prestígio. Apaixona. Divisões e exacerbações podem eclodir nas suas disputas. Regras
de convivência impessoais e formalidades moderam a tendência para o conflito.
Parlamentos e tribunais, lugares de embate entre ideias e interesses, adotam
formalidades como algodões entre cristais, com o tempo de fala administrado
segundo normas explicitas e impondo que se tratem por excelência.
Organizações militares, com integrantes
armados, raramente têm conflitos entre os seus membros. Hierarquia, regulamento
disciplinar, formalidade, simbolismo da continência e o rito da ordem unida
limitam os conflitos. Não coisas aplicáveis à vida civil, mas demonstram a
importância da normatividade explícita e impessoal. Regras impessoais e um
sistema de cargos e salários associados à meritocracia, nas empresas ou na
caserna, juntamente com outros fatores, limitam as insatisfações.
A política não é meritocrática. Campanhas
eleitorais não seguem formalidades amortecedoras de choque. No comício o
adversário não é excelência. O eleitor age discricionariamente e nem sempre
sabe o que sejam as doutrinas políticas, sociais e econômicas que enfeitam os discursos
políticos. O espírito de torcedor de futebol contamina a política, paixão
perigosa.
Olivier Nay (1968 – viva), em “História
das ideias políticas”, diz que o embrião de democracia surgiu quando os gregos
decidiram substituir a força física pelo debate de ideias para definir escolhas
políticas. A violência, porém, sempre ronda a disputa pelo poder. O governo das
leis, não dos homens, afasta casuísmos e exerce moderação. A publicidade dos
atos administrativos (CF/88, art. 37) e dos atos processuais, ressalvados o
interesse público e a intimidade de alguma das partes (art. 5, inc. LX)
contribui para o mesmo fim. O sol é o melhor desinfetante (Louis Brandeis, 1856
– 1941, da Suprema Corte dos EUA).
Os gregos aperfeiçoaram as instituições (Evelyne
Pisier, 1941 – 2017, em obra também intitulada “História das ideias políticas”,
com regras escritas, claras e públicas, excluindo a discricionariedade dos
tribunais. Isso os favoreceu nas Guerras Médicas, por não terem outro senhor
que não as leis (Heródoto, 485 a.C. – 420 a.C., na obra “Histórias”). A judicialização
da política é a substituição da visão substantiva da democracia constitucional
pela prática procedimental, inspirada em Ronald Dworkin (1931 – 2013), segundo
Luiz W. Vianna (1938 – vivo), em “A democracia e os três poderes no Brasil”.
Tal não deu início a uma idade mais racional do Direito e da Democracia.
Citando Jürgen Habermas (1929 – vivo), Vianna diz que a hermenêutica de Dworkin
confia nas tradições e práticas constitucionais americanas.
No Brasil a judicialização da política ultrapassou
os limites democráticos. A separação das funções do poder, de Charles-Louis de
Secondat, barão de Montesquieu (1689 – 1755) foi rompida. As leis escritas,
públicas e claras (governo das leis, não dos homens) acabou. A Nova Hermenêutica
Constitucional e Carta Política total transformaram o STF em poder absoluto. A “interpretação
conforme” [o entendimento do STF] diz que o escrito não vale e o substitui pelo
contorcionismo hermenêutico. Poder dizer que pau é pedra é absolutismo,
agravado pelas decisões monocráticas (ver “Os onze – O STF, seus bastidores,
suas crises”, de Luiz Weber e Felipe Recondo). A “mutação constitucional” (diz
que significado das palavras mudou, pela evolução da língua) é ato legislativo.
O STF segue a tradição dos reis filósofos (Platão, 428 a. C.– 347 a.C.).
Advogados alegam não ter acesso aos
autos de inquéritos no STF.
O voto é ato político. A apuração, ato
administrativo sujeito ao princípio da publicidade. Urnas devem ser auditáveis.
Criticar o piloto não é ataque ao modelo de avião. Criticar ministros não é
ataque ao tribunal, é prerrogativa democrática.
A mudança cultural forçada desrespeita
grande parte dos brasileiros. O STF legisla interferindo nos costumes, promovendo
o “arejamento” da sociedade, como intelectuais ungidos (Thomas Sowell, 1930 –
vivo, em “Os intelectuais e a sociedade”), invertendo o governo consentido pelos
governados (John Locke, 1632 – 1704, “Segundo tratado sobre o governo”). Respeitam
a cultura do índio, não os valores distintos de parte da sociedade,
desencadeando a guerra hobbesiana de todos contra todos (Thomas Hobbes, 1588 –
1679, em “O leviatã”). A passionalidade é irracional, é convite à tragédia,
como no episódio recente em Foz do Iguaçu.
Fortaleza, 12/7/22.
Rui Martinho Rodrigues.
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