O CREPÚSCULO DA DEMOCRACIA
A lisura do processo eleitoral francês foi
posta em dúvida. É mais uma democracia sob suspeita. Os EUA sofreram o mesmo
desgaste. A consulta popular sobre o Brexit não foi pacificamente acatada no
democrático Reino Unido. Prevaleceu depois forte resistência. As eleições de
2016, nos EUA, suscitaram ideias separatistas por parte dos inconformados com a
vitória de Trump. A exacerbação de ânimos afeta a política em todo o mundo.
Quando as paixões entram em cena a razão é excluída. A democracia teria
começado, segundo Oliver Nay (1968 – viva), na obra “História das ideias
políticas”, quando os gregos resolveram substituir a força pela argumentação racional
nas decisões políticas. Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), na obra “A política”,
descreve os regimes políticos como cíclicos, identificando a fase decadente
deles. A democracia tenderia, na fase decadente, para a demagogia. Norberto Bobbio
(1909 – 2004), na obra “A era dos direitos”, manifestou temor de que o excesso
de demandas sufoque a democracia.
A passionalidade é veneno para a
democracia. O Estado democrático está envenenado. Demandas crescentes lançadas
sobre os ombros do Estado Provedor ameaçam o equilíbrio fiscal, a estabilidade
financeira e consequentemente a democracia. O excesso de demandas inclui, entre
outras coisas, uma certa dose de demagogia. O equilíbrio necessário ao
exercício da democracia exige um sistema de freios e contrapesos, tal como
formulado por Charles-Louis de Secondat, barão de Montesquieu (1689 – 1755), ao
refinar contribuições de Aristóteles e a John Locke (1632 – 1704).
O equilíbrio começa nos fundamentos da
ordem democrática. Bobbio afirma, na obra “Teoria geral da política”, que o
Direito e a política precisam formar uma legitimidade circular como fundamento recíproco.
O cosmocentrismo dos gregos limitava o poder do assembleísmo da ágora. Não há
democracia sem limitação do poder. Antígona adverte Creonte lembrando leis
eternas (Sófocles, 497 a. C. – 407 a.C. em “Édipo Rei). Hans Kelsen (1881 –
1973) buscou, na Teoria pura do Direito, um freio para o democratismo na norma
hipotética fundamental, fundamento de validade dos atos legislativos e da ação
judicante.
Todo poder emana do povo é um democratismo
absolutista. Ao atribuir todo poder aos soviets (Vladimir I. Ulianov, Lênin,
1870 – 1924, na obra “O Estado e a Revolução) pensava nos soviets controlados conforme
o “centralismo democrático”, que nada tem de democrático, descrito em “O que
fazer”, outra obra dele. O sistema de freios e contrapesos é o meio de conter a
tendência do poder para a expansão.
O neoconstitucionalismo
amparado nas constituições analíticas, programáticas e dirigentes, reforçadas
pela Nova Hermenêutica Constitucional transformaram o STF em poder absoluto,
eufemisticamente um “poder moderador”. Não esqueçamos que o poder corrompe e o
poder absoluto corrompe de modo absoluto (Lord John Dalberg-Acton, 1834 – 1902).
A fragilidade do Legislativo e conflagração da sociedade fecharam os nossos
olhos para ativismo judicial, um tenentismo de toga que destrói a segurança
jurídica de todos os brasileiros. Ninguém está a salvo quando o absolutismo se
instala. A interpretação conforme [o entendimento do STF] e a mutação
constitucional permitem ao STF dizer que pau é pedra, conforme expressão
popular. Isso não salva a norma alegadamente inconstitucional. Quem diz que pau
é pedra não está salvando nada, mas substituindo, contrariamente ao que é
alegado. Está legislando positivamente, violando a divisão das funções do
Poder.
Fortaleza, 21/4/22.
Rui
Martinho Rodrigues.
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